O que o Brasil quer na África

Atualizado em 26 de março de 2013 às 11:50

Os países emergentes  lutam por fazer negócios no movimentado mercado africano — e a China está bem na frente.

Empreendimento chinês na África
Empreendimento chinês na África

A reportagem abaixo foi publicada, originalmente, na BBC Brasil. Ela ajuda a entender as várias viagens de Lula à África.

Para os habitantes da cidade de Durban – onde nesta terça e quarta-feira ocorre a quinta reunião de cúpula entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, os Brics – um empreendimento vem à mente quando o assunto é o aumento da presença dos países emergentes na África do Sul: o “Shopping Center China”.

Com 40 mil metros quadrados e mais de 400 lojas, esse megacentro comercial inaugurado há sete anos (e expandido três vezes) fica aberto sete dias por semana para vender os mais variados tipos de produtos com apenas dois aspectos em comum – preços acessíveis e a etiqueta que informa: “Made in China”.

O Shopping Center China – com filial em Johanesburgo – é a face mais visível do fenômeno que ganha força e tornou-se um dos principais temas da cúpula dos Brics: a corrida da China e dos outros países do clube de emergentes para “fincar o pé” na África, ocupando espaços que tradicionalmente pertenciam a potências coloniais europeias.

Se no passado os europeus brigavam pelo direito de explorar terras e jazidas minerais do continente, agora, cada vez mais, são os Brics que disputam os recursos naturais e os mercados africanos.

“É natural haver um acirramento na disputa por alguns filões de negócios entre os países emergentes, conforme os investimentos na África cresçam”, disse à BBC Brasil Wayne Morris, diretor da consultoria africana GSEC e membro do conselho da Brand South Africa, entidade que cuida da imagem e promoção de negócios da Africa do Sul.

“Os indianos e os chineses são os que têm presença mais forte na África do Sul, por exemplo – e entre eles já há disputa. O Brasil e a Rússia também estão ampliando sua presença em outros lugares. Mas a competição entre esses países têm tudo para ser saudável – para eles e, principalmente, para a África que terá mais opções de investimentos”, acredita.

Shoppin Center China, em Durban: todos os produtos made in China
Shoppin Center China, em Durban: todos os produtos made in China

 

Harry Shmelzer, presidente da WEG – empresa brasileira líder do mercado de motores elétricos que há três anos tem uma fábrica com 600 funcionários na África do Sul (embora faça negócios com o país há mais de três décadas) -,  disse à BBC Brasil que a concorrência com os chineses em sua área já é acirrada.

“Os chineses oferecem uma concorrência agressiva aqui e em outros lugares – mas já sabemos que precisamos estar preparados para isso”, diz ele.

Segundo um estudo do sul-africano Standard Bank (banco no qual hoje os chineses têm uma participação de 20%), na última década o volume de trocas comerciais dos Brics com a África aumentou dez vezes, chegando a US$ 340 bilhões – mais que o comércio entre os demais países do grupo (de US$ 310 bilhões)

A China é sem dúvida o país dos Brics cujos negócios mais avançaram no continente africano nos últimos anos, principalmente em função do interesse chinês por recursos naturais. Só o comércio com a África aumentou 20 vezes de 2002 a 2012, passando dos US$ 200 bilhões – o que em parte explica o sucesso do Shopping Center China e outros empreendimentos similares. Segundo estimativas do governo chinês, o país teria um estoque de investimento na África de US$ 20 a US$ 40 bilhões.

A Índia também teve um aumento substancial dos investimentos na região nos últimos anos, apostando em áreas como agricultura, telecomunicações e o setor automobilístico, principalmente no sul e no sudeste sul-africanos. A Rússia tem investimentos na Tunísia, Nigéria, Uganda e África do Sul. Já o Brasil, tem uma presença cada vez mais forte na África lusófona – Moçambique e Angola – embora empresas como a Marcopolo, a Weg e a Camargo Correa também estejam presentes na África do Sul.

Moçambique abriga empreendimentos da Vale e da Odebrecht, uma das maiores empregadoras locais, e Angola é o maior receptor dos investimentos brasileiros no continente (seriam R$ 7 bilhões, segundo estimativas de 2011 da Associação de Empresários e Executivos Brasileiros em Angola). Empresas como Petrobras e as construtoras Odebrecht e Andrade Gutierrez têm operações sólidas no país há muitos anos.

Além disso, Angola é também a principal receptora de investimentos da China na África – então já é natural que brasileiros e chineses tenham de competir para ganhar a licitação de projetos de infraestrutura e exploração de recursos naturais.

“Nossos investimentos ainda estão muitos concentrados nesses dois países. Comparando com os indianos e chineses, acho que os brasileiros estão perdendo oportunidades no continente africano em função de um certo receio dos empresários em explorar o continente”, acredita Roberto Paranhos do Riobranco, presidente da Câmara de Comércio Brasil-Índia que está na África do Sul para participar do encontro de empresários que acompanha a cúpula dos Brics.

Não foi à toa que os investimentos dos Brics na África se tornaram um dos principais temas do encontro do clube dos emergentes em Durban, como explicou à BBC Brasil Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getúlio Vargas que está na África do Sul participando de uma série de debates acadêmicos paralelos ao encontro.

Camargo Correa em Angola
Camargo Correa em Angola

A África do Sul foi incluída nos Brics em 2010 – antes disso o grupo era chamado de Bric. Stuenkel diz que o país obteve sucesso em sua candidatura ao clube dos emergentes, apesar do tamanho de sua economia ser equivalente a de uma Província chinesa, ao se apresentar como um “representante” ou um “interlocutor” para a África frente aos outros quatro países.

“A verdade é que se a África (continente) fosse um país, certamente seria um Brics. O tamanho de sua classe média é comparável a indiana e está se expandindo. Além disso, muitas partes do continente têm crescido em um ritmo acelerado”, diz Stuenkel. “Mas é difícil pensar que a África do Sul possa falar por todos os países da região.”

Três fatores tornam a África atrativa para investimentos dos Brics. Primeiro, a presença de grandes jazidas de minérios, petróleo e outros recursos naturais valiosos no continente. Segundo, o grande crescimento da classe média africana – e aumento do consumo provocado por tal enriquecimento. Por fim, a previsão de gastos bilionários no setor de infraestrutura em países que recém adquiriram estabilidade política e econômica, mas nos quais faltam estradas, portos, aeroportos, etc.

Segundo o FMI, sete dos dez países que mais crescem no mundo estão na África. E ainda que isso ocorra porque tais países partem de uma base muito baixa de desenvolvimento econômico, para muitos empresários dos Brics tal crescimento significa bons negócios e margens de lucro satisfatórias para compensar os riscos africanos.

Durante a cúpula em Durban, o presidente sul-africano Jacob Zuma irá mediar uma série de encontros entre países do Brics e outros líderes africanos. Nas preparações para o encontro, porém, o que chamou mais a atenção em seu discurso sobre os investimentos do Brics foi uma aparente expectativa de que eles sejam “cooperativos”, diferente dos investimentos europeus – que segundo o líder sul-africano seriam “colonialistas”.

Uma semana antes do encontro, durante uma conferência sobre temas educacionais, Zuma prometeu: “Os Brics vão contribuir imensamente para satisfazer as necessidades dos jovens da África do Sul de encontrarem trabalho.”

A promessa foi feita dias depois de o presidente sul-africano ter dado uma entrevista ao jornal britânico Financial Times na qual exortou as empresas europeias a mudarem seu “velho estilo colonialista na África”, lembrando que agora o continente tem a “alternativa” dos Brics.

Putin quer aumentar os negócios russos na África
Putin quer aumentar os negócios russos na África

“Os Brics pretendem apoiar os esforços da África para acelerar a diversificação e modernização de suas economias através do desenvolvimento de infraestrutura, troca de conhecimento, acesso a tecnologias, construção de novas capacidades e investimento em capital humano”, diz um documento oficial do encontro, divulgado pelo governo sul-africano.

Para alguns analistas, porém, as expectativas de Zuma podem não ser atendidas. Marcos Troyjo, do laboratório sobre Brics da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, por exemplo, lembra que os chineses são conhecidos por um estilo “agressivo” de fazer investimentos – importando matéria prima e até trabalhadores da China para levantar obras de infraestrutura em países africanos.

Além disso, seu interesse maior seria a extração de recursos naturais da África e a venda de produtos chineses para o continente, atividades que não são conhecidas por sua ampla geração de empregos qualificados (apesar de o Shopping Center China dizer que emprega um total de 1.600 pessoas).

Jim O’Neill, economista conhecido por criar o termo Bric em 2001, concorda que é preciso moderar o otimismo com os investimentos dos Brics: “Não há como garantir que multinacionais desse ou daquele país vão se comportar de forma diferente. Empresas globais enfrentam os mesmos desafios para se adaptar às regras locais e ao final têm o mesmo objetivo, que é conseguir retorno para seus investimentos”, diz.

No caso dos investimentos brasileiros, analistas e empresários costumam enfatizar as diferenças de “estilo” em relação aos chineses. As empresas do país seriam mais flexíveis e mais dispostas a se adaptar à cultura e realidade local, contratando trabalhadores africanos, por exemplo. Mas em Durban alguns empresários e executivos brasileiros que não quiseram se identificar também expuseram para a BBC Brasil o receio de que o governo sul-africano esteja esperando demais das empresas.

“Não dá para querer que as companhias estrangeiras façam todo o trabalho para desenvolver a África”, disse um deles. “Os africanos também precisam fazer suas obrigações e investir mais na formação de trabalhadores e racionalização da burocracia de seus países para compensar os riscos e contratempos de se investir no continente – que ainda existem e são muitos.”

Para o consultor Wayne Morris, da Brand South Africa, “não há como negar que existe um debate sobre os ‘elementos colonialistas’ dos investimentos dos Brics, e em especial dos chineses.”

“A África do Sul e os outros países do continente estão plenamente cientes desses riscos”, diz. Ele lembra, porém, que por muito tempo países africanos atraíram o interesse apenas de países desenvolvidos e que a aprovação de empréstimos para projetos de infraestrutura por entidades como FMI e Banco Mundial era condicionada à adoção de reformas neoliberais.

“A grande novidade é que agora temos mais opções e ao menos podemos discutir as condições dos investimentos e empréstimos com empresas e países de ‘igual para igual’ – o que nos dá uma margem de manobra que não tínhamos no passado para evitar esses riscos”, opina.