O que o criador do “Decálogo do Promotor” pensaria de Dallagnol e sua turma? Por Marcos Sacramento

Atualizado em 14 de julho de 2019 às 22:48
Deltan Dallagnol (Heuler Andrey/AFP)

José Augusto César Salgado foi promotor de Justiça no Estado de São Paulo. Em 1938, fundou a Associação Paulista do Ministério Público, da qual foi o primeiro presidente. Foi procurador-geral por três vezes, entre os anos de 1945 e 1955.

Faleceu em 1979, mas isso não impede a afirmação de que ele reprovaria as condutas do procurador Deltan Dallagnol reveladas pelo mais recente vazamento de conversas da Lava Jato, nas quais ele articula formas de aproveitar a visibilidade obtida com a operação para lucrar em eventos e palestras.

Salgado foi autor do “Decálogo do Promotor”, conjunto de princípios que deveriam nortear a conduta destes servidores públicos. São orientações simples e diretas, sem margens para relativizações, como se pode ler abaixo:

1) Ama a Deus acima de tudo e vê no homem, mesmo desfigurado pelo crime, uma criatura à imagem e semelhança do Criador;

2) Sê digno de tua grave missão. Lembra-te de que falas em nome da Lei, da Justiça e da Sociedade;

3) Sê probo. Faze de tua consciência profissional um escudo invulnerável às paixões e aos interesses;

4) Sê sincero. Procura a verdade e confessa-a, em qualquer circunstância;

5) Sê justo. Que teu parecer dê a cada um o que é seu;

6) Sê nobre. Não convertas a desgraça alheia em pedestal para teus êxitos e cartaz para tua vaidade;

7) Sê bravo. Arrosta os perigos com destemor, sempre que tiveres um dever a cumprir, venha o atentado de onde vier;

8) Sê cortês. Nunca te deixes transportar pela paixão. Conserva a dignidade e a compostura, que o decoro de tuas ações exige;

9) Sê leal. Não macules tuas ações com o emprego de meios condenados pela ética dos homens de honra;

10) Sê independente. Não te curves a nenhum poder, nem aceites outra soberania senão a Lei.

A contraposição entre a orientação do decálogo de não converter a “desgraça alheia em pedestal para êxitos e cartaz para a vaidade” e as conversas onde Dallagnol vislumbra faturamentos de R$ 400 mil e sugere artimanhas para conquistar clientes explicita o abismo entre o jovem procurador e os princípios elementares da sua carreira.

No decálogo escrito por Salgado há referências a valores como verdade, bravura, justiça e sinceridade. Por outro lado, não constam menções a lucros financeiros ou insinuações de que os fins justificam os meios empregados.

Não é preciso nenhum esforço em interpretação de texto para perceber como o Deltan Dallagnol revelado pela série de reportagens do The Intercept passeia a anos-luz de distância do modelo de servidor recomendado por Salgado.

Apesar da gravidade, é possível que os vazamentos não levem a punições e os envolvidos sigam ricos, leves e soltos, atuando com viés político e palestrando aqui e ali nas horas vagas. Neste cenário de horror, é possível até mesmo que Dallagnol cite em suas palestras o Decálogo do Promotor sem sequer corar a face.