
A megaoperação policial no Rio de Janeiro, que deixou mais de uma centena de mortos nos complexos da Penha e do Alemão, reacendeu comparações com a Colômbia do início dos anos 2000 — especialmente com a Operação Orión, deflagrada em Medellín em 2002.
As semelhanças não se limitam ao uso intensivo da força para retomar territórios dominados por grupos armados, mas também aos efeitos devastadores sobre as populações locais e às críticas de violações de direitos humanos.
O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, foi um dos primeiros a estabelecer o paralelo. Em postagem na rede X, ele chamou a ação do governador Cláudio Castro de “bárbara” e comparou o episódio à Operação Orión, que marcou a história recente de Medellín.
À época, a ofensiva ordenada pelo então presidente Álvaro Uribe mobilizou tropas militares e paramilitares para expulsar guerrilheiros das Farc e do ELN que atuavam na Comuna 13 — um dos bairros mais pobres e violentos do país. Durante dois dias de confrontos, helicópteros sobrevoaram a região e dezenas de pessoas morreram.
A operação colombiana foi celebrada por parte da população e vista como uma vitória militar, mas deixou um legado sombrio. Organizações de direitos humanos denunciaram centenas de desaparecimentos e casos de “falsos positivos” — civis executados e apresentados como guerrilheiros mortos em combate.
Segundo a Jurisdição Especial para a Paz (JEP), mais de seis mil pessoas foram vítimas desse tipo de ação no governo Uribe. O jornalista Ricardo Aricapa, autor do livro Comuna 13: Crônica de uma Guerra Urbana, afirma que “a repressão militar trouxe resultados imediatos, mas pavimentou um trauma coletivo que até hoje não cicatrizou”.

Em Medellín, a violência cedeu espaço, anos depois, a políticas urbanas voltadas à integração social e ao controle territorial do Estado. A região que um dia simbolizou o caos hoje é ponto turístico, marcada por escadas rolantes, teleféricos e murais coloridos que atraem visitantes do mundo inteiro.
O poder público passou a investir em mobilidade, cultura e serviços, transformando a Comuna 13 em símbolo de resistência e regeneração urbana — ainda que o crime organizado tenha apenas mudado de rosto, migrando para atividades econômicas como extorsão, agiotagem e controle do comércio local.
No Brasil, o quadro é mais caótico. A Operação Contenção, conduzida pelas polícias Civil e Militar do Rio, foi classificada pelo governo estadual como “um sucesso”, mas tratada por organismos internacionais como uma chacina.
Ao contrário da Colômbia, onde a ação militar teve um comando centralizado e gerou investigações posteriores, no Rio não há expectativa de responsabilização. Para Steven Dudley, diretor da InSight Crime, “as operações brasileiras seguem uma lógica punitiva e de curto prazo, sem articulação entre segurança, justiça e política social”.
As comparações entre Rio e Medellín, embora inevitáveis, revelam contextos distintos: a Colômbia vivia um conflito armado interno com guerrilhas políticas, enquanto o Rio enfrenta uma crise de segurança moldada pela desigualdade e pela fragmentação urbana.
Em ambos os casos, o uso da força sem coordenação civil expôs a incapacidade do Estado de oferecer alternativas duradouras à violência. A diferença é que Medellín, após o horror, apostou em reconstrução — e o Rio ainda repete o ciclo da destruição.