O que o triunfo da extrema direita no Parlamento alemão e a política brasileira têm a ver. Por Willy Delvalle

Atualizado em 28 de setembro de 2017 às 7:25

 

“Os fantasmas do passado estão de volta”. É como a revista alemã Der Spiegel descreve o crescimento da extrema direita na Alemanha. O partido AfD (Alternativa para a Alemanha), terceiro colocado nas eleições legislativas do último domingo, foi o maior vencedor.

Enquanto primeiro e segundo lugar tiveram percentuais de votos menores do que nas eleições passadas (o social-democrata SPD teve a pior votação de sua história), chegar ao Parlamento Alemão e como terceira força política é uma grande vitória para o AfD. E motivo de preocupação num país abriu as portas para uma enorme leva de imigrantes e refugiados. Num país que há pouco mais de sete décadas vivia o nazismo. É a primeira vez desde então que um partido desse perfil chega ao Bundestag.

Da França, vieram as saudações da aliada derrotada nas eleições presidenciais em maio. “Parabéns aos nossos aliados do AfD por esse resultado histórico! É um novo símbolo do despertar dos povos europeus”, publicou Marine Le Pen no Twitter. No primeiro discurso do líder do partido Alexander Gauland, a violência está expressa nas palavras.

“Vamos cassar Angela Merkel”, prometeu aos militantes. Para o partido, a política de imigração da chanceler que obtém o quarto mandato é uma traição ao povo alemão. Para a primeira-ministra, a missão é reconquistar o eleitorado de direita que votou no AfD.

Protestos contra o partido de direita foram mobilizados imediatamente. “Os refugiados são bem-vindos”, dizia um deles. “Uma derrota da democracia”, disseram autoridades judias. Mas como e por que isso aconteceu?

O partido surgiu em 2013. O objetivo, a princípio, era defender a volta do marco alemão. O partido antieuro acabou atraiu social-democratas, políticos do Partido Verde alemão e conservadores. Com a crise dos imigrantes, começou a deslanchar. O discurso virou anti-imigração. O diretório nacional do partido entrou em atrito. A “solução” viria com a escolha de Alexander Gauland, jurista, co-fundador do partido, e Alice Weidel, economista, para conduzir as eleições no legislativo.

Ex-CDU (União Democrática Cristã), partido da atual mandatária alemã, para o qual havia ingressado em 1970, Gauland sempre foi conservador do ponto de vista de social e liberal no campo econômico, mas foi naquelas eleições que deu sua guinada à extrema direita.

A solidariedade alemã com a Grécia foi o estopim. Do fechamento de fronteiras, seus discursos apelariam para a islamofobia. Estava formado o novo inimigo do povo alemão. A responsável por sua “invasão” era a primeira-ministra, que, segundo a então Alternativa para a Alemanha, pôs o país em risco a segurança do país.

No dia 2 de setembro, Gauland foi ainda mais radical. Defendeu que do mesmo modo que franceses e ingleses se orgulham de imperadores e políticos de seu passado, os alemães também têm o direito de se orgulhar do que seus soldados fizeram na II Guerra Mundial.

Depois, o ápice. Membros do AfD chegaram a dizer que era necessário parar de tanto ressentimento em relação aos crimes nazistas. A presidente da sigla, Frauk Petry, empresária e química, decidiu recusar o posto no Parlamento alemão. Criticou o discurso agressivo adotado pelo partido, em que Gauland prometeu perseguir Angela Merkel. “Não é um discurso construtivo”, argumentou Petry.

Contradições?

Diversos fatores explicam a ascensão da AfD, além da onda anti-imigração. A inabilidade política da esquerda alemã, de acordo com Martin Schulz, segundo colocado, foi um dos fatores. Em seu discurso, ele admitiu que o Partido Social Democrata (SPD) falhou ao não conseguir convencer a população da importância de receber os migrantes. Ele agradeceu a mobilização da juventude, o que, no entanto, parece não ter sido suficiente.

Apesar da vitória, chamada de “amarga” por diversos veículos de imprensa europeus, a imagem da chanceler Angela Merkel se desgastou. É natural esperar que após 12 anos no poder isso possa acontecer com qualquer político. Só que o desgaste vai além de uma simples tendência social.

Depois da crise econômica de 2008, a economia alemã despencou, decrescendo 5,9% no ano seguinte, mais do que Reino Unido (-4,3%) e França (-2,9%). A primeira-ministra conseguiu reverter o quadro. E devolver à Alemanha o papel de potência econômica europeia. Em 2016, o crescimento foi de 1,6%, mais do que os britânicos (1,8%) ou os franceses (1,2%). Em nove anos, ela derrubou a taxa de desemprego de 7,5% (2009) para 3,9%, de acordo com os dados divulgados em abril pelo Eurostat, órgão de estatísticas europeu.

Mas não há mágica para produzir resultado. E o que esses números escondem é que a taxa de pobreza aumentou. Com as reformas trabalhista e da previdência adotadas pelo social-democrata Gerhard Schroeder e não revertidas por sua sucessora, Merkel, os mini-contratos se disseminaram pelo país, os salários caíram, assim como o valor do seguro-desemprego, deixando a população mais vulnerável.

Dados do Eurostat de 2017 apontam uma taxa de pobreza de 17% na Alemanha, mais do que na França, onde o índice é de 14%. O indicador leva em conta uma média de salários de 950 euros (Alemanha). Quem ganha abaixo de 60% desse valor é considerado pobre.

Além desse contingente, o Destatis, outro instituto de estatísticas da Europa, mostrava que 20% da população alemã estava em risco de pobreza em 2015, o que significa estar em uma situação de privação material, baixa atividade de pessoas em idade para trabalhar e/ou um salário abaixo da linha da pobreza.

Em maio deste ano, o FMI chegou a fazer um alerta para o risco de aumento desse grupo no país. “O risco de pobreza relativa na Alemanha demanda uma atenção contínua”, disse o Fundo Monetário Internacional, por meio de um relatório.

Excluídos

Mas como é possível a economia de um país crescer e seu povo ficar mais pobre? É porque alguém embolsou esse dinheiro. E se não foi a maioria, então foi uma minoria.

Assim nasce um eleitor decepcionado com o sistema que olhou para os números, mas não para ele. É bem provável que esse eleitor não seja necessariamente um nazista, mas contra tudo que está aí.

A precariedade de seu dia a dia se reflete na vulnerabilidade de suas concepções políticas, do mesmo modo como em outros países do mundo.

Por que será que, quando praticamente toda a imprensa britânica apostava e aconselhava a permanência do Reino Unido na União Europeia, a maior parte da população votou contra?

Por que será que num país que elegeu Barack Obama presidente em seguida preferiu ver Donald Trump na Casa Branca em vez de Hillary Clinton?

Por que será que na França, do lema por “liberdade, igualdade e fraternidade”, Marine Le Pen superou os tradicionais partidos da política e chegou ao segundo turno?

Foi em meio a um liberalismo que lucra à base da exclusão que a humanidade viu na década de 1930 o que de pior ela é capaz. Mas, diferente daquela época, hoje o mundo é globalizado. E o que acontece num lugar se dissemina pelos outros.

O que isso tem a ver com o Brasil?

Bolsonaro é talvez mais explícito que Gauland. Militar de carreira, não escondeu sua aprovação ao Regime Militar ao votar pela aprovação do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT).

No campo econômico, Bolsonaro se assemelha mais a Marine Le Pen, ao demonstrar pouca propriedade no assunto.

Volta a se assemelhar ao líder da extrema direita alemã em relação ao mundo árabe. Recentemente, ele compartilhou em sua página do Facebook o vídeo de uma autoridade judia insinuando ser falsa a sacralidade de Jerusalém para os muçulmanos.

Tornou-se um dos nomes consolidados para disputar as eleições à presidência no ano que vem.

Seu sucesso, assim como na Alemanha, também tem a ver com a queda da esquerda. Mas, na Alemanha, a esquerda não caiu do poder. Ela simplesmente não conseguiu mais chegar até ele, somados seus erros de estratégia política. No Brasil, a esquerda foi derrubada enquanto estava no poder, depois de ter sido eleita.

Também favoreceram Bolsonaro os erros da própria esquerda e a campanha midiática, somada à perseguição jurídica ao PT. Aécio não foi preso. Mas José Dirceu, Genoíno, Vaccari Neto e Delcídio do Amaral foram. Deu tempo de Aécio ser afastado duas vezes do mandato, enquanto Lula foi condenado em um processo e já virou réu em outros cinco.

Enquanto uma série de suspeitas envolviam Temer, a grande imprensa silenciava sobre ele. Afinal, era útil. O empresariado o queria. O interesse era aprovar as necessárias reformas. E conseguiram.

Reformas que alavancaram números na Alemanha e empobreceram o povo. Reformas que há meses levam a economia brasileira à retomada, enquanto conduzem o risco de o país voltar ao Mapa da Fome.

Com o resultado das últimas eleições, para as prefeituras, cidades como São Paulo e Belo Horizonte deram um recado ao Brasil. O povo está disposto a fazer o que foi feito nos Estados Unidos (Trump), na França (Le Pen), no Reino Unido (Brexit) e agora na Alemanha (AfD). Está disposto a votar em quem não representa a tradição política.

Na Alemanha, o medo é a volta ao passado, ao nazismo. No Brasil, às ditaduras. Regimes cruéis, excludentes. Regimes que deixaram saudades nos políticos que não foram suas vítimas, mas são seus defensores. Com a diferença de que, na Alemanha, ainda resta um pouco de pudor.