O que os ataques racistas sofridos por Ludmilla dizem sobre nós. Por Nathalí

Atualizado em 22 de junho de 2020 às 12:47

Pouco importa se você gosta ou não da música de Ludmilla: você deveria considerar assistir à live que ela fez ontem com Maíra Azevedo – a Tia Má – sobre racismo.

A funkeira vem sofrendo ataques racistas nas redes desde que se desentendeu publicamente com Anitta. “Macaca” e “Favelada” são apenas alguns dos insultos escritos nas redes de Ludmilla desde que decidiu expor áudios trocados com a colega, numa espécie de dossiê da treta.

Os fãs da “malandra” – que agem como seus cães de guarda na terra de ninguém que é a internet –  escreveram ataques racistas em massa nas redes oficiais de Ludmilla, na tentativa de defender a cantora que idolatram, mas acabaram por revelar, mais uma vez, a medonha face do racismo à brasileira – que, aliás, não cansa de se revelar diuturnamente.

Abalada, ela tem recebido apoio de outras artistas negras, como Emicida, Alcione, Iza e Luedji Luna.

“Que vontade de adular Ludmilla, levar ela pra roça, ela tomar uns banhos de folha, de rio, pisar na terra, minha mãe de santo tirar uns ebó nela, eu trançar uns ican, e ela toda de branquinho na paz de oxalá cheirando alfazema”, postou a colega Luedji com a legenda “preta, venha cá…”

O racismo nunca foi um assunto central no trabalho de Ludmilla – que começou a carreira como “MC Beyoncè” – tampouco um discurso recorrente em entrevistas e posts na internet.

Diferentemente de Anitta – que, convenhamos, lança mão do feminismo, do movimento negro e do movimento LGBTQ pra lacrar e ganhar likes sempre que lhe é conveniente –  levantar bandeiras e agarrar-se às pautas identitárias como forma de ascender artisticamente nunca foi um caminho para Ludmilla.

Após os ataques racistas, entretanto, ela resolveu contar numa live alguns episódios de racismo que sofreu ao longo da vida.

“Eles não têm noção do mal que podem causar na vida de alguém”, desabafou, referindo-se aos ataques recentes dos fãs de Anitta.

Defender ídolo é, por si só, ridículo – ou, simplesmente, um indicativo de muito tempo ocioso – mas defendê-lo atacando seus rivais com racismo diz muito sobre o Brasil: tantas coisas poderiam ser ditas em defesa de Anitta, e xingar a rival de “macaca” ainda é a primeira ideia que vem à cabeça do brasileiro médio.

Talvez o mais assustador nesse episódio seja o fato de Anitta ser uma negra embranquecida – e graças ao colorismo, vista como branca em tantos espaços – e, Ludmilla, uma preta retinta que assume sua negritude em seu estilo, em seu discurso e em sua música.

No Brasil, não adianta para uma preta só ser famosa e estar na mídia: embranquecer é a única maneira de escapar do racismo, e talvez nem assim.

Ludmilla se recusou a mascarar a própria negritude pra se defender da crueldade do racismo, e, num país de mentalidade ainda tão escravocrata, eis o triste e infelizmente esperado resultado.

A resposta é taxativa:   “Aceitem, vai ter preta em posição de destaque, sim!”, anunciou.

No país em que uma preta retinta fazendo sucesso é um insulto à branquitude, apoiá-la é uma premissa indispensável para uma conduta verdadeiramente antirracista.