O que os carrões de Collor contam sobre o Brasil. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 15 de julho de 2015 às 9:08
Que Mujica diria disso?
Que Mujica diria disso?

O episódio dos supercarros de Collor é revelador das complexidades – e das misérias —  da política brasileira.

Considere.

No Twitter, o editor do Globoesporte, Gustavo Poli, postou uma foto em que Dilma aparece num palanque com Collor.

Mas um momento.

Estamos falando de um homem que é sócio dos patrões de Gustavo, como Jota Hawilla, Sarney etc.

Tudo bem isso? Subir num palanque com Collor é um horror, mas ser sócio dele é ok.

É a seletividade marota do que provoca indignação.

Suponhamos que alguém mandasse a Poli uma foto de seus patrões com Collor. Ele publicaria? Não. Acharia imoral a imagem? Aí não sei, mas penso que não, por incrível que pareça.

Para além disso, os carrões de Collor simbolizam o atraso monumental das oligarguias políticas brasileiras.

Falávamos outro dia no DCM das virtudes do Papa Francisco. Ora, a mensagem essencial de Francisco é a simplicidade franciscana, da qual deriva todo o resto.

Sempre falamos também de Mujica, uma espécie de alma gêmea de Francisco.

Um homem que controla seus impulsos de aquisição e ostentação tem os melhores atributos para a vida pública.

Mas o que dizer de alguém que tem aqueles carros que saíram, em desfile abjetamente triunfal, da Casa da Dinda?

O que ele não faz para ter aquele tipo de coisa?

Pouco tempo atrás, numa entrevista à BBC, Mujica falou tudo. Quem gosta de dinheiro, disse ele, não deve entrar na política. Deve ser empresário.

A política exige, ou deveria exigir, frugalidade, abnegação, capacidade de você se doar à sociedade.

A frota de Collor é a negação disso. Collor é a negação disso.

Para alimentar suas pretensões políticas, Collor encontrou na Globo o melhor aliado do mundo.

A questão básica é: como Collor pode ser dono de uma emissora – a afiliada da Globo em Alagoas — quando a Constituição proíbe isso?

Políticos no controle de tevês e rádios farão disso uma propaganda ininterrupta para si próprios.

Isso vai dar em outros Catões de ocasião da política nacional.

Aécio é um desses casos. Sem cerimônia, e sem cobrança da imprensa nacional, colocou dinheiro público nas suas empresas jornalísticas quando foi governador de Minas.

Isso, em circunstâncias normais, liquidaria a carreira de um político, mas Aécio está aí, nos importunando com suas lições de moral fajutas.

Meritocracia à Aécio
Meritocracia à Aécio
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Até recentemente, o Brasil sequer sabia que ele tinha rádios em Minas. A informação apareceu quando ele foi pego numa blitz na noite carioca com um veículo – uma Land Rover — de que estava em nome de uma rádio sua.

Eduardo Cunha é outro caso, com uma rádio evangélica no Rio da qual se serve para fazer autopropaganda e ganhar dinheiro.

É um tema que tem que ser discutido também neste episódio dos carros de Collor.

Há reflexões paralelas, igualmente. Uma delas é a seguinte: os carrões de Collor provavelmente ficariam ignorados na Dinda se ele pertencesse ao PSDB.

Outra já é antiga: boa parte das reformas imprescindíveis na política brasileira não foram feitas por causa da governabilidade.

O PMDB ficou com FHC e depois seguiu com Lula e Dilma.

Isso significou a impossibilidade, na prática, de modernizar a política.

O estremecimento entre o PMDB e o governo de Dilma tem um mérito: minar as bases desse câncer imobilizador chamado governabilidade.

Sem isso, qualquer governo vai ter que se esforçar muito mais para emplacar coisas no Congresso — mas você não será obrigado a ver coisas como aqueles supercarros saindo da casa de Collor.