“O que paralisa a economia é o vírus. Bolsonaro nega verdades”, diz a economista Monica de Bolle ao DCM

Atualizado em 12 de maio de 2020 às 17:24
Monica de Bolle

Pesquisadora da Universidade Johns Hopkins (EUA) a economista Monica de Bolle tem se destacado no debate sobre os impactos econômicos da epidemia do coronavírus. Em entrevista ao DCM, Mônica falou sobre saúde, economia, política e planejamento.

De acordo com Monica, há uma falsa dicotomia entre economia e saúde. E Bolsonaro só piora o quadro. “Vocês que estão aí, estão sentindo na pele, eu daqui estou vendo. Bolsonaro trata tudo isso de maneira irresponsável. Não há palavra para o tamanho dos equívocos”, afirma.

“O que paralisa a economia é o vírus. Claro que as medidas de prevenção atrapalham a atividade econômica, mas sem lockdown, as pessoas morrem, o sistema de saúde colapsa, a população evita sair na rua – o resultado é o mesmo. Não adianta a gente fingir que vai reabrir o comércio e vai dar tudo certo”, resumiu a economista.

Monica comparou ao caso norte-americano: “Tentaram manter o comércio aberto nos estados onde havia poucos casos. Por acaso, são os estados responsáveis pela produção de alimentos. Não tomaram as medidas sanitárias adequadas e começou a ter surtos de Covid-19 nesses frigoríficos. Os frigoríficos fecharam e agora há risco de desabastecimento”.

“A economia para porque o risco de contágio ocorre, o contágio acontece e você começa a ter o medo circulando na comunidade. Com isso, a economia para. Já há evidência disso desde a gripe espanhola – fica muito claro que as cidades com mais restrição saíram mais rápido da crise depois. Deixar uma doença infectocontagiosa correr solta não vai ajudar”, diz.

Segundo Monica, um aspecto importante na luta contra a covid é a necessidade de as pessoas efetivamente cumprirem o isolamento: “Aqui nos EUA, vemos claramente a diferença entre os estados que adotaram o isolamento ou não e onde a população efetivamente aderiu”.

Na opinião da economista, a pressão de Bolsonaro e de alguns empresários pela reabertura da economia é fruto de uma visão de curto prazo. O segundo ponto é uma visão negacionista: “Aqui, o Trump não pôde fazer a mesma coisa por haver uma maior solidez institucional. É um populismo imbecil”.

Garantir o recebimento de dinheiro vivo, pronto para ser gasto pela população é a coisa mais importante para manter a economia funcionando, explica Mônica. Ela destaca o papel dos bancos públicos: “Para isso que a gente tem Caixa, Banco do Brasil e, principalmente, BNDES. Esses bancos fazem o que o governo manda. Isso vem desde a crise de 2008 – na ocasião, quem tinha bancos públicos, se saiu melhor”.

Bolsonaro não usa o BNDES com a desculpa de que o banco de fomento não foi bem usado em governos petistas. Para Monica, isso é “um uso ideológico da economia, pois cada governo aplica a política econômica que quiser – daí surgem esses argumentos confusos para justificar a inação do governo numa crise inédita”.

Uma prova da gravidade da crise é a convergência dos argumentos dos economistas sobre alguns temas: “Por conta da pandemia, não se fala mais em austeridade, mas de que é necessário rever o teto de gastos e que precisamos ampliar o gasto público. Muita gente ainda se ilude que essa crise passará logo. É uma crise e saúde pública e não econômica. Vamos conviver muito tempo com isso”.

Falta planejamento governamental para enfrentar a pandemia aqui no Brasil: “A liberação do trabalho das domésticas é uma prova disso. Pessoas que estão se arriscando mais deveriam ter preferência no recebimento dos benefícios e, até mesmo, do atendimento hospitalar”.

Outro exemplo dessa falta de organização estatal é o auxílio emergencial: “Não foi mérito do governo, mas da pressão da sociedade civil e do Congresso. Bolsonaro e Guedes estão arriscando a vida das pessoas na fila da Caixa, quando esse benefício podia ser pago de forma mais eficiente”.

Monica comentou sobre o tema da reconversão industrial – produção de equipamentos médicos e de saúde por fábricas de outros setores. “Nos EUA, as montadoras estão produzindo respiradores e equipamentos de proteção, mas é um tema complexo. Muitos desses insumos são importados e não temos como produzir aqui. E a China vende de quem pagar mais caro.

De acordo com ela, isso resolveria três problemas: geraria emprego, geraria renda e resolveria nosso problema de falta de equipamentos médicos. “Nosso país está na contramão, até por cortar a verba de pesquisa e inovação. Não há conexão entre universidade e indústria. O que poderia ser produzido aqui são equipamentos de proteção – luvas, máscaras, etc”.

Ela destaca a necessidade de uma renda mínima e quais as formas de prover os recursos necessários: “Vamos precisar de uma renda mínima e talvez ela seja permanente. Isso pode ser provido por meio de uma reforma tributária, pois a renda mínima é cara e exigirá recursos”.