O que restou do “futebol moleque” do Brasil morreu na Copa América

Atualizado em 5 de julho de 2015 às 9:46
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Robinho

Por Carlos Guimarães, no Conexão Fut.

 

Amistoso entre Brasil e Inglaterra. Neymar encara Chris Smalling, zagueiro do Manchester United. Galvão Bueno, narrador da Rede Globo, dispara: “Vai, Neymar, passa por cima dele, ele é inglês, tem a cintura dura, não está acostumado com o verdadeiro futebol brasileiro”. Smalling não pode ser considerado um grande zagueiro, nem a Inglaterra um grande time. Mas o jogador, acostumado a marcar os melhores atacantes do mundo, naquele momento era um pouco mais do que somente o camisa 6 da equipe adversária. Ali, na cabeça do narrador e de milhares de brasileiros, ele representava o duelo dos estereótipos: o “futebol arte” do Brasil contra o “futebol duro” da Inglaterra.

Nós ainda conhecemos o futebol por estereótipos: o Brasil joga bonito, a Argentina catimba, o Uruguai tem garra, a Colômbia é irresponsável, a Alemanha é disciplinada, a Itália é retrancada, a Inglaterra só joga no chuveirinho, os africanos não são bons taticamente, o México joga como nunca e perde como sempre, norte-americano não sabe jogar bola e asiático é só correria. Eles servem também para definir as posições necessárias para formar um time, como um lateral que apóia e outro que marca, um zagueiro que rebate e outro que é técnico, um volante que carrega o piano, um camisa 10 pensador, um centroavante que joga parado só para fazer gols. Estereótipos, ideias fixas.

A “globalização” deu ao mundo do futebol uma noção de unidade. Existem características culturais que fazem parte da formação futebolística de cada centro, é claro, mas a multiplicação de estrangeiros na Europa, a saída de jogadores em peso para os centros mais ricos, a diversidade de informações sobre esquemas táticos e jogadores e o conhecimento que todos têm sobre tudo derrubaram este pensamento estanque, desmanchando conceitos que, baseados apenas nos aspectos culturais, não consideram as mutações estéticas, culturais, mercadológicas e tecnológicas do Século 21: como tudo nesta vida, o futebol também mudou.

O “atrevimento brasileiro” não pertence mais somente ao Brasil. O “pragmatismo alemão” não é mais de exclusividade germânica. O modelo a seguir não é mais aquele que aprendemos a gostar, curtir e entender que era o certo, embora seja óbvio que aquilo que diferencia um time de outro ainda é o talento. Isso não muda. O que muda é o modo com que se utiliza esse talento – que existe para ser o diferencial dentro do processo coletivo, como instrumento para buscar determinado objetivo, e não como uma pura e solene manifestação de um longínquo “futebol arte”, que subtrai a coletividade em nome de apenas um ou dois atletas.

O conceito a se perseguir foi passado pela Holanda, em 1974, mas só agora o recado parece ter sido entendido. Um conceito básico e único: futebol é atacar com o maior número de gente possível e defender com o mesmo volume. Isso é a compactação. Fazer esse movimento com frequência e velocidade é a intensidade. Neutralizar os pontos específicos do adversário é a estratégia. O conjunto de tudo isso é pensar o jogo.

O principal problema do futebol brasileiro, talvez, seja não entender tudo isso: que futebol se resolve com conjunto, procedimentos coletivos e organização tática, requisitos fundamentais para aproveitar o máximo potencial dos grandes craques, aqueles que ainda desequilibram. No caso do Brasil, só um, Neymar. E é justamente por isso que precisamos desenvolver com urgência as práticas coletivas.

Para que isso aconteça, é preciso ter humildade. Reconhecer que o futebol brasileiro foi superado no campo e bola, sobretudo na mentalidade. Que ainda temos resquícios de pensamentos primitivos de futebol, de que “só perdemos para nós mesmos” e que “só brasileiro tem o verdadeiro futebol arte”. Não é sobre arte, é sobre planejamento. O improviso tem de aparecer no momento certo, mas no resto – no campo de jogo, inclusive – é melhor priorizar o planejamento.