O que ter mais livros do que sapatos quer dizer sobre uma mulher

Atualizado em 12 de novembro de 2014 às 18:51

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Num país em que uma mulher é estuprada a cada doze segundos, ainda costumo ouvir que machismo não existe e feminismo é coisa de mulher mal-comida. Como, ao que me parece, os dados alarmantes são insuficientes para comprovar uma realidade tão espantosa quanto inegável, talvez as pequenas bizarrices do dia-a-dia sejam capazes de convencer com mais eficiência.

Dia desses, em um destes meus laboratórios involuntários pelas timelines alheias, vi um post em que o autor pensava ser engraçado e dizia: “Se uma mulher tiver mais livros que sapatos, case-se com ela.”

Comecei a pensar sobre a minha paixão por livros e sapatos – que possuo em quantidades equivalentes – e sobre o porque o meu apreço por scarpings, sapatilhas e rasteirinhas poderia me tornar menos digna de um casamento (como se um casamento fosse lá imprescindível na vida de uma mulher).

E pensei, sobretudo – com lamento – sobre como algumas mulheres ainda se deixam aprisionar por grades invisíveis de um machismo camuflado. Sobre como ainda cultivam estereótipos como o de que mulheres muito bonitas geralmente são burras, mulheres musculosas são menos femininas ou mulheres que amam sapatos não podem, também, amar livros – e, pior ainda, mulheres que não amam livros são menos dignas de um relacionamento.

Espantei-me ao constatar que as mesmas mulheres que ficam indignadas diante de um machismo que pensa poder ditar o tamanho de suas roupas são coniventes com o mesmo machismo que pensa poder ditar os seus gostos pessoais, e associá-los ao seu suposto mérito de um relacionamento sério.

E, cultivando esta minha irritante mania de ser radical, acredito que todo esteriótipo é inútil. E os esteriótipos acerca do comportamento feminino são mais do que inúteis: são violentos.

A verdadeira liberdade não está só em poder dar pra quantos quiser, ter sua intimidade respeitada e não ser submetida a sexo sem consentimento. Está em poder ditar os próprios gostos e a própria identidade sem ser rotulada. Em poder amar livros, sapatos, homens, mulheres, musculação, desenho animado, vídeo-game, bebidas fortes e tudo o que julgar digno de apreço, sem ser submetida aos julgamentos preconceituosos alheios. Porque se os gostos masculinos nunca foram ditos incompatíveis, não podemos – e não vamos – aceitar que os nossos o sejam.