O que você estava fazendo naquela Copa?

Atualizado em 2 de julho de 2014 às 9:46

Copa de 78. Essa é a primeira Copa de que lembro. Os papéis picados sobre o campo e os papéis higiênicos jogados das arquibancadas. Muito frio. Os cabeludos e bigodudos e raçudos da Argentina, pateando a bola em campo. Um sentimento de injustiça contra aquela camisa amarela da Adidas. O chute impossível de Nelinho, o gol de Dinamite depois de três chutes consecutivos na trave, Reinaldo contundido, comemorando gol com um braço para trás e o outro erguido em soco. O gol de Zico anulado, numa cobrança de escanteio em que o juiz encerrou o jogo com a bola viajando no ar. A coleção de tampinhas da Coca Cola. E você, onde estava?

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Copa de 82. A primeira Copa que eu vivi na íntegra, desde a construção daquela Seleção mítica, que nunca ganhou nada, nem a Copa América de 79 (perdemos para o Paraguai), nem o Mundialito de 81 (perdemos para o Uruguai). Um time inesquecível, larger than life. A camisa amarela da Topper, brilhosa, com o ramo do Café do Brasil no distintivo. A tragédia do Sarriá, com aquele mítico meio de campo com Zico, Sócrates, Falcão e Cerezo. Eu jogava com o time que fundei, a AFAR (Associação de Futebol Águia Rubra), na garagem do prédio, na quadra do bairro, e ia enchendo o álbum de Ping Pong com as figurinhas que vinham nos chicletes. E você, onde estava?

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Copa de 86. Eu tinha 15 anos e vivia com minha turma de segundo grau um filme de high school do John Hughes. Rock nacional como trilha e Styletto como fragrância oficial. Um sentimento geracional forte, que estávamos vivendo e fazendo a história, e uma sensação de que aquelas amizades seriam para sempre. Os primeiros beijos, os primeiros porres, as primeiras dores de amor e, na tela, Josimar dando cambalhotas, Júnior de cabelos brancos, Sócrates com uma faixa na testa e Zico no banco. Bem, teria sido bom perder daquele jeito se pudesse ter consolado mais e melhor as meninas – e ser igualmente consolado por elas. Mas eu era tímido demais para isso. E você, onde estava?

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Copa de 90. Eu estava no meio da faculdade, da troca de pele da adolescência para a vida adulta, no cerne da época mais sombria e desesperançada que o Brasil já viveu, combinando hiperinflação com recessão, corrupção e confisco, e, como se não bastasse, tendo como verniz o reinado de Xuxa, Faustão e a explosão do sertanejo. Em termos culturais, políticos e econômicos, era o fundo do poço. Nunca vivemos tempos tão triste e desinspirados. E a seleção de Lazaroni como que espelhava isso tudo. Uma Copa cinzenta e fria e eu na pindaíba. E você, onde estava?

Copa de 94. Eu estava no primeiro emprego, morando sozinho pela primeira vez, prestes a casar jovenzinho e a sair do país em seguida para um MBA do outro lado do mundo. O clima era de reconexão do Brasil ao planeta, de modernização de uma série de fundamentos econômicos do país. E aquela seleção como que emulava isso: um Brasil mais eficiente e competitivo. Tínhamos um meio de campo intransponível e carrancudo, e um ataque eficiente e moleque. Ninguém com menos de 35 anos sabia o que era ser campeão do mundo. Eu tinha 23. Comprei uma camisa oficial do Bebeto, coisa que era de difícil de achar naquela época, e levei comigo. Fiz muito sucesso com ela no Japão, país que me acolheu e me educou por três anos. Guardo ela até hoje – e ela continua fazendo sucesso. E você, onde estava?

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Copa de 98. A Copa do marketing, dos comerciais, dos contratos de patrocínio, do ufanismo interessado em horário nobre. A primeira Copa como um megaevento global e bilionário. O esporte vira uma arena de logotipos. Jogadores embevecidos com isso, com estrelar comerciais, com ter “um apartamento no pulso”. Assisti à humilhante e irreconhecível final contra a França, já de volta ao Brasil, em meu primeiro ano em São Paulo, como um dublê de jornalista e de executivo de marketing na Exame, da Editora Abril. E você, onde estava?

Copa de 2002. Jogos de madrugada, aquele grande time da Argentina, de Verón e Batistuta, virando fumaça, família Scolari fechadinha, atropelando, uma final histórica contra a Alemanha, do excelente e arrogante goleiro Kahn, em que passeamos. Como é bom quando tudo dá certo. Eu começava, à frente da Superintetessante, um ciclo inacreditável de êxitos, com um timaço. No Brasil, a Era FHC dava início à Era Lula. E você, onde estava?

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Copa de 2006. A decadência daquela geração de megamilionários com lugar cativo na Seleção – Ronaldo, Roberto Carlos, Cafu. Era para ser a Copa de Kaká, Robinho e Ronaldinho Gaúcho. Parece que houve muitos excessos na Alemanha. A imortalidade trocada por algumas noitadas perfeitamente esquecíveis. E caímos de novo para a França – uma geração de craques também decadente, mas aparentemente mais focados. Eu com dois bebês no colo, vestidos de verde amarelo. Prestes a trocar a mídia impressa pelo mundo da televisão. E São Paulo pelo Rio de Janeiro. E você, onde estava?

Copa de 2010. O time do irascível Dunga, que foi, na ponta do lápis, um dos treinadores mais vitoriosas na história da Seleção. A Espanha finalmente campeã, depois de muitos anos de promessas e expectativas frustradas. O Tik Taka do Barcelona e de Guadiola encanta o mundo vestido de vermelho. A primeira Copa na África, as insuportáveis vuvuzelas e um técnico alemão que comia caca de nariz. Eu fora da vida executiva, começando no empreendimento, finalmente dono do próprio nariz e começando a gostar da vida sem crachá e sem holerite. Vimos a desclassificação brasileira, para uma Holanda cheia de suco, no coração do pampa gaúcho, com vinho e lareira, com as crianças correndo com os cachorros e sobre o lombo dos cavalos, nas coxilhas infindas do Sul profundo. Oigaletê. E você, onde estava?

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A Copa do Mundo é um modo de (re)viver as melhores lembranças de sua vida. É um modo de marcar para sempre, de modo indelével, as suas recordações.

E dessa Copa, em 2014, que acontece agora, aqui em nossa casa, do que você vai lembrar? Onde você estava? O que estava fazendo?