O racismo de Rodolffo é uma aula sobre o comportamento bolsonarista. Por Nathalí

Atualizado em 6 de abril de 2021 às 9:24
Rodolffo, do BBB

A edição de ontem (05.04) do Big Brother Brasil 21 foi, para além de um marco na história do programa, um retrato tão triste quanto fidedigno do que se tem chamado de “polarização” no Brasil de Bolsonaro: de um lado um sertanejo bolsonarista que já deu provas suficientes de seu racismo e homofobia nos meses em que vem sendo atentamente observado por um país inteiro; de outro, um professor progressista, negro e gay tentando sobreviver à terrível convivência com aqueles que, dentro ou fora do reality, sempre foram seus algozes.

O único bolsonarista assumido que resta no elenco do reality é Rodolffo – dizem as boas línguas, deve sair hoje com alto índice de rejeição -, que já protagonizou episódios de homofobia contra outros participantes. No último final de semana, ele comparou o cabelo de joão (black power, símbolo de resistência coletiva do povo preto) a uma peruca da idade das cavernas, que, de tão ridícula, fora colocada como um castigo da produção para os “monstros” da semana, em uma das dinâmicas do jogo.

No momento do comentário, João, visivelmente magoado, não conseguiu rebater. Disse apenas um “acho que não” xoxo, constrangido, o que me faz questionar muitas vezes: por quê nós é que nos constrangemos quando somos ofendidos? Talvez seja o mesmo mecanismo que faz com que mulheres – e não os assediadores – sintam vergonha ao serem assediadas.

Ora, não são os racistas, os assediadores, os homofóbicos quem devem se constranger?

Mais tarde, em uma conversa privada com sua aliada e amiga Camila, o professor comentou a própria reação: “a gente pensa que vai conseguir ser reativo, mas na hora eu não consegui falar nada.”

No mesmo dia, durante a festa comandada pela cantora Ludmilla, João se emocionou com a corajosa indireta da funkeira para Rodolffo: “Respeita nossa cor, respeita nosso cabelo, respeita c*ralho!” – disse a artista, que também beijou no palco sua namorada Brunna Gonçalves, se posicionando em uma só oportunidade contra o racismo e a homofobia, ambos representados, nesta edição, pela figura do sertanejo Rodolffo.

Talvez (muito provavelmente, na verdade) fortalecido pelo posicionamento necessário de Ludmilla, nosso progressista militante da vacina fez seu nome ontem, dois dias depois do episódio, e jantou o bolsominion ao vivo: “Eu vivo isso lá fora também, e estou cansado.”

O sertanejo, é claro, leu a cartilha do racista desentendido: “não tive a intenção de te machucar.”

Honestamente, pouco importam as intenções – o racismo é estrutural e o debate não deve ser reduzido ao indivíduo – mas, nesse caso específico, o racista em questão sabe que machuca, sim.

As piadinhas são sempre certeiras, travestidas de inocência, mas imbuídas de tamanha maldade que jamais passaria despercebida, como quando Rodolffo comentou sobre o vestido de Fiuk: “Imagina ele numa balada em Goiânia vestido assim?” (mas o que ele poderia querer em uma balada heteromerda em Goiânia? Fica a questão).

Não é a primeira vez: o típico bolsonarista ofende minorias em tom de riso e nunca, jamais se desculpa, ou ao menos não com a mínima intenção de parecer sincero e corrigir seus posicionamentos. Seus preconceitos – como é de praxe no bolsonarismo – são suas bandeiras.

“O mínimo era pedir desculpas”, como bem disse a funkeira Pocah, mas, no episódio, mesmo tendo a oportunidade de se desculpar, Rodolffo reiterou sua piada racista contra João ao vivo.

Então, sim, foi mais do que intencional, e, ainda que não fosse, não é dos pretos da edição a obrigação de educar um marmanjo barbado que não conseguiu deixar seu mau-caratismo de fora do reality. Os arranjos sociais já são duros o suficiente com o povo preto: não se pode querer colocar sobre eles, além de tudo, a obrigação de educar racistas, como Camila pontuou irretocavelmente:

“Estamos em 2021, você é uma pessoa jovem com acesso ao conhecimento. Estamos cansados de toda vez termos explicar sobre nosso tom de pele e nosso cabelo. Pesquisem”

A fala da influenciadora, aliás, me emocionou ainda mais que a do próprio João. O que vimos ali foi uma mulher treinada para não ser interrompida. Mesmo com todas as investidas do racista para tomar a palavra ao vivo para apresentar justificativas pífias – como fazem, não raro, os racistas cancelados na internet – ela foi firme e não se deixou silenciar. “Não, agora é minha vez de falar. O cabelo do João não parece uma peruca. Eu uso peruca porque quero de volta meu cabelo natural, que é igual ao do João, e aquilo me machucou muito.”

Só não se arrepia quem não tá vivo, ou quem  não luta contra o racismo.

Mais do que uma cena orgástica, sinto que o constrangimento de Rodolffo ao ser jantado pelos dois heróis dessa edição – Camilla e João – é a resposta de que precisamos. Precisamos de racistas constrangidos. Precisamos de machistas entupidos, sem palavras. Homofóbicos sem outra saída a não ser a vergonha do próprio preconceito.

Talvez um reality show que nos serve diariamente um intragável suco de Brasil possa também nos ensinar a reconhecer com ainda mais clareza e combater com ainda mais assertividade os tipos nocivos que colocaram Bolsonaro no poder, essa massa de gente privilegiada que escolhe ser ignorante e que nos trouxe ao fundo do poço em que estamos hoje.

Que a eliminação de Rodolffo hoje não seja apenas mais uma etapa em um reality show, mas uma prévia do que o Brasil fará com o bolsonarismo em 2022: constranger, combater e  escorraçar.