O racismo no BBB e a nossa incapacidade de dialogar. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 4 de fevereiro de 2019 às 18:44
Paula, do BBB 19 (Foto: Reprodução/TV Globo)

O Big Brother Brasil acertou em cheio no experimento: colocar em uma mesma casa – vigiada 24h por dia – progressistas e conservadores, esquerdistas e direitistas, negros ativistas e loiras racistas só poderia resultar em polarização e muito atrito.

O que a Globo talvez não soubesse é que a 19ª edição teria uma personagem tão caricata quanto Paula: branca, loira, classe média, olhos claros, bacharela em Direito e nitidamente preconceituosa.

Em apenas duas semanas de programa, ela já coleciona episódios de racismo dignos de vergonha alheia. Depois de chamar cabelo crespo de “cabelo ruim”, atacou as cotas raciais em universidades justificando que “isso é uma forma de racismo do Estado.”

E isso ainda não é tudo: a última gafe foi defender o racismo inverso afirmando que se trata de “denegrir a imagem de uma pessoa por ser loira.”

Força, ícone.

Há muitos exemplares de Paula no Brasil, especialmente nestes tempos. Gente que acredita que não faz ideia do que significa racismo estrutural. Gente que não sabe que cabelo crespo não é “ruim”, porque cabelo não tem índole. Gente que acredita que todo bandido é favelado, e vice-versa. Gente que vive no mundo encantado dos brancos, onde a discussão antirracista nunca chegou, e onde o Século XXI ainda não começou.

Ela é um retrato do que existe – embora muitos precisem ver na tela da TV para acreditarem – na realidade aqui fora, e isso não é surpresa pra ninguém com algum bom-senso, mas me resta uma dúvida sincera: o que leva uma pessoa a se sentir confortável em ser racista em rede nacional? A sequer tentar mascarar seus posicionamentos retrógrados?

Há quem diga que a loira de voz estridente – e irritante, furem meus ouvidos! – é apenas uma tonta sem noção. É possível que sim, mas, além disso, ela não se esforça pra disfarçar o seu racismo porque sabe que ele é legitimado por seus pares aqui fora.

Grande parte do preconceito de Paula, entretanto, é nitidamente proveniente da mais pura ignorância. O mundo, caros amigos progressistas, não é a nossa timeline. Fora da nossa bolha, há milhões de Paulas que de fato não enxergam (porque não procuram enxergar) o racismo em seus discursos.

Os comentários racistas da participante têm irritado – e não é pra menos – aos brothers negros da casa, e as reações que se desenrolam a partir disso são também sintomáticas: de modo geral, não existe diálogo.

Chocados com o preconceito gritante de Paula, os brothers ora contrariam-na com argumentos típicos que dificilmente conduzem a uma conversa produtiva, ora ignoram-na. Pudera: o que ela diz é absurdo demais para que se possa contra-argumentar.

Mas é justamente aí que está o nosso espelho: o que fazemos com as Paulas de nossas vidas? Tentamos tirá-las do lamaçal da ignorância ou as julgamos incapazes de compreenderem nossos argumentos? Dialogamos ou só trabalhamos com carteiradas academicistas?

Negros não têm obrigação de serem pacientes com racistas. Negros não têm obrigação de perdoarem racistas. Negros não têm obrigação de dialogarem com racistas. Aliás, ninguém tem. Mas, se não fizermos isso, como o mundo caminhará? De que maneira mudar as coisas, se não através do diálogo?

Embora ninguém seja obrigado a nada, a luta antirracista também inclui a didática. Sem arrogância. Sem termos técnicos. Sem ares de superioridade moral. Apenas diálogo. Fala e escuta. Troca. E isso, parece, desaprendemos.

Ver uma loira reproduzir estereótipos racistas em rede nacional não me espanta – espantoso seria se não reproduzisse -, e tampouco me espanta perceber que nem o mais paciente e bem-informado dos brothers consegue fazê-la enxergar minimamente o próprio preconceito.

Aqui fora, também não temos conseguido. Esperamos, com frequência, que os outros desconstruam sozinhos seus preconceitos, porque afinal não temos obrigação de ser didáticos com gente escrota. E o mundo segue com Paulas se reproduzindo e o racismo resistindo aos séculos.

Diria Wislawa Szymborska: “caímos em silêncio no meio da conversa/e não há sorriso que nos salve./Nossos humanos/não sabem falar uns com os outros.”