O racismo no futebol tem uma chance de acabar se Pelé ficar calado

Atualizado em 19 de novembro de 2014 às 16:16
Dançando lambada
Dançando lambada

 

Lembrei de Pelé ao ler uma citação do escritor Albert Camus. Está no livro “O Mito de Sísifo” e diz que “um homem é mais homem pelas coisas que silencia do que pelas que diz”.  Pelé mais uma vez silenciou sobre um caso de agressão racista no futebol – desta vez foi a já emblemática ofensa sofrida por Daniel Alves, do Barcelona.

Quer dizer, o silêncio não foi literal. Ao ser perguntado sobre a provocação, deu um passe de canela. “Racismo não é no futebol, tem em todos os setores da sociedade há muito tempo. O que não podemos deixar é uma coisa tão banal, de um carinha que jogou uma banana, e fazer do limão uma limonada”, disse o Rei do Futebol.

Mas relevar uma agressão racista chamando-a de “banal” e a repercussão do fato de “tempestade em copo d’água” é o mesmo que calar-se e desviar o olhar de um problema que só tem crescido no futebol profissional. Vindo de umas das personalidades negras mais conhecidas do mundo, é nocivo, deletério para o combate ao preconceito racial.

Pelé disse que em seu tempo “jogavam jaca, manga”. Simbolismos à parte, levar uma manga na cabeça deve doer mais que uma bananada. Jaca, então, melhor nem imaginar. Comparando essas frutas à que arremessaram em Daniel Alves, Pelé minimiza o insulto ocorrido no estádio do Villarreal e outros tantos, como os sofridos pelo lateral Roberto Carlos, anos atrás, e Yaya Touré, do Manchester City.

Embora não tenha recebido mangas ou jacas na cabeça, Touré seguiu o caminho oposto ao de Pelé e ameaça liderar um boicote de jogadores negros na Copa de 2018. A Rússia, país sede, é um dos principais palcos de episódios racistas no futebol.

Na luta pelo fim do racismo, o meio-campista nascido na Costa do Marfim tabela com um dos carrascos do Brasil na Copa da França, em 1998. Ex-zagueiro, o francês Lilian Thuram criou uma fundação cujo objetivo é erradicar o racismo por meio da educação.

Se fosse possível somar os talentos futebolísticos de Touré e Thuram não teríamos um terço da habilidade que Pelé teve dentro do campo. Fora das quatro linhas, com a militância dos dois, o jogo muda. Pelé vira um perna de pau clássico, dos que só entram para completar a pelada na várzea.