O real problema no caso coreano é a relação entre China e EUA

Atualizado em 5 de abril de 2013 às 19:25

A origem das desavenças está na Guerra da Coreia (1950-1953).

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Blefador

Há um ditado popular que diz que “formiga sabe em que roça traça”. Ele serve para indicar alguém que, apesar da valentia, sabe bem até onde pode ir. É exatamente como eu definiria a Coréia do Norte nos últimos dias.

Coincidindo com os periódicos exercícios militares realizados em conjunto pelas forças armadas norte-americanas e sul-coreanas, o regime de Kim Jong-un resolveu falar grosso. E suas ameaças têm repercutido no cenário internacional, mobilizando seus principais protagonistas.

O risco de um ataque nuclear preventivo (que de preventivo já não tem nada a esta altura) aos Estados Unidos faz muita gente acreditar que estamos próximos de um conflito de grandes proporções na região. Nada mais longe da verdade.

A euforia bélica norte-coreana, típica de regimes totalitários, não passa de um blefe barulhento. A situação está longe de fugir do controle. Até porque, se um conflito armado explodisse por ali, certamente o mundo que você e eu conhecemos deixaria de existir.

Além disso, um confronto dessa magnitude seria indubitavelmente precedido de uma escalada bélica e um desgaste das relações entre as nações que realmente pesam na região: China e Estados Unidos.

Ambas as potências estão em pé de guerra, já se sabe. Porém, até agora as hostilidades não passaram do ciberespaço. E nada indica que passarão.

Por outro lado, para entender os meandros geopolíticos que hoje existem na Península Coreana é necessário voltar, ainda que brevemente, a seu fundamento histórico, enraizado no embate que o criou. Estou falando da Guerra da Coréia (1950-1953), travada a rigor entre EUA, China e URSS.

Este conflito foi paradigmático por várias razões. Primeiro, por reivindicar para o continente asiático uma centralidade política até então exclusiva da Europa. Não por acaso, Douglas MacArthur, então no comando das forças da ONU, alertava: “Aqui lutamos com os braços a guerra européia que os diplomatas lutam com palavras. Se perdermos a guerra contra o comunismo na Ásia, a queda da Europa será inevitável;  se ganharmos, a Europa não só evitará a guerra como preservará a liberdade.”

Assim, fica bastante claro o motivo pelo qual as zonas de influência na região encontram-se cuidadosamente delimitadas até hoje. A China não pisa nos calos dos Estados Unidos, e a recíproca é verdadeira. Qualquer violação do status quo implicaria uma guerra entre as duas potências.

Por outro lado, já naquela época os americanos perceberam que combatiam um inimigo que simplesmente não poderiam vencer de forma convencional. Seu oponente naquele conflito era uma China com um exército de maltrapilhos, equipada com maquinário soviético.

Mas os chineses não eram os alemães, nem a Península Coreana era a Europa. Táticas de guerrilha eram favorecidas pelo terreno acidentado, e os militares norte-americanos sofriam perdas assombrosas diante das massivas e irracionais investidas dos combatentes asiáticos.

As deserções e o desânimo da tropa eram comuns porque não se compreendia a razão de combater naquelas paragens. Em suma, os americanos estiveram muito perto de sofrer a mais veemente derrota de sua história. Um filme que se repetiria menos de duas décadas depois, no Vietnã.

Diante da surpreendente força do inimigo que enfrentavam na Península Coreana, e da delicadeza que a ocupação do terreno exigia – já que do outro lado estavam Mao Tse Tung e Stalin –, ficou claro que uma vitória incontestável como a da Segunda Guerra Mundial não poderia acontecer sem o uso de armas nucleares e sem precipitar o mundo num inferno.

Esta realidade evidenciou-se também em outros momentos e outros lugares ao longo da Guerra Fria. No entanto, nem na Crise dos Mísseis em Cuba, em 1962, chegou-se tão perto de um conflito nuclear como na Guerra da Coréia.

Garota com seu irmão nas costas na Guerra da Coreia: confusão começou ali
Garota com seu irmão nas costas na Guerra da Coreia: confusão começou ali

O equilíbrio alcançado representa hoje em dia um “quiprocó” entre Estados Unidos e China. Cada qual com sua respectiva zona de influência. A suspensão unilateral do armistício por parte da Coréia do Norte nada significa enquanto não for rompido o armistício não escrito entre as duas potências maiores que, ali, se olham cara a cara.

No mais, a Coréia do Norte só vai até onde a China permite. Um ataque aos Estados Unidos exigiria uma retaliação à altura, e os chineses não estão nem nunca estiveram para brincadeiras, tanto que uma das suas preocupações centrais é a sua estrutura militar.

Para a sorte do mundo, a crescente expansão da área de influência da China, seu poderio econômico e seu avanço em setores estratégicos em vanguarda tecnológica restrigem o confronto com os americanos a um campo de batalha onde balas, bombas e canhões não fazem a menor diferença.