‘O rei devia morrer para que o país pudesse viver’: a Revolução Francesa segundo Robespierre. Por Camila Nogueira

“Sem a virtude, o terror é fatal; sem o terror, a virtude é impotente.”

O líder jacobino Robespierre, o Incorruptível, foi um homem de ação e de ideias. Foi ele, mais que ninguém, que empurrou a Revolução Francesa para o limite, algo que se expressaria com a condenação do rei Luís 16 à guilhotina.  Advogado nascido na pequena Arras, filho intelectual de Rousseau, o libertário autor de Contrato Social, Robespierre não foi exatamente um escritor, mas um articulista. Mesmo assim, dada sua importância colossal, o Diário decidiu entrevistá-lo para a série Conversas com Escritores Mortos.

Monsieur de Robespierre, o senhor foi um dos principais responsáveis pela célebre Revolução Francesa, um evento que mudou a história da humanidade. Assim sendo, muitos o consideram um homem implacável. Concorda com esse severo julgamento?

Não. Punir os opressores da humanidade é sinal de clemência; perdoá-los seria cruel.

Antes de mais nada, o senhor poderia nos dar uma ideia do que serviu de impulso à Revolução?

Omeletes não são feitos sem que antes ovos sejam quebrados. Eis um panorama: – o Crime sodomiza a Inocência para assegurar um trono, e a Inocência luta com todas as suas forças contra os atentados do Crime. Pense bem – é realmente tão irracional, ou mesmos surpreendente, que as pessoas, atormentadas por injustiças que duraram séculos, demandem uma vingança imediata?

As leis francesas até então prejudicavam os pobres, não é mesmo?

Naquela época, não havia leis.

Mas, Monsieur…

Leis que violam os direitos inalienáveis dos homens são essencialmente tirânicas – então, não são leis de modo algum.

E qual foi a solução encontrada pelos revolucionários?

Aristocratas precisavam ser guilhotinados e Luís XVI devia perecer no lugar de centenas de milhares de cidadãos virtuosos; Luís devia morrer para que o país pudesse viver.

Fortes palavras. Para a restauração da ordem do país, foi necessário o episódio do Terror, não é mesmo? Entre os responsáveis por tal, o senhor se destacou. Conte-nos um pouco desse período.

O terror é menos um princípio distinto do que uma consequência natural do princípio da democracia. Ele é a única justiça: Imediato, severo e inflexível.

Dizem que foi uma época muito violenta, e que…

Ora! Não há revolução sem revolução!

Realmente. Mas e a virtude? Como encontrá-la nesse contexto?

Sem a virtude, o terror é fatal; sem o terror, a virtude é impotente.

O senhor poderia desenvolver essa ideia?

O governo, em uma revolução, é o despotismo da liberdade contra a tirania. Sim, a força foi utilizada durante o Terror; mas seria a força necessária apenas para proteger o crime? O fato é que, se a virtude deve sustentar um governo em tempos de paz, o sustento de tal governo durante uma revolução deve ser a virtude combinada com o terror.

O senhor se surpreendeu ao ver como a causa da Revolução foi abraçada e como as pessoas estavam dispostas a entregar suas vidas por ela?

Não é surpreendente. Para amar a justiça e a igualdade, as pessoas não precisam de esforços virtuosos. É o bastante que amem a si mesmas. É tão doce devotar-se aos seus iguais que não sou capaz de entender como pode haver tantos desafortunados que ainda carecem de defensores.

Monsieur, a causa pela qual o senhor lutou triunfou – de certo modo, é claro – mas a guilhotina que impôs a tantos inimigos acabou por alcançá-lo. Isso o incomoda?

Nem tanto; a morte é o início da imortalidade.

Algo a acrescentar?

Nossa revolução me fez sentir a força do axioma de que a história é ficção e estou certo de que a sorte e a intriga produziram mais heróis do que a genialidade e a virtude.

Robespierre confessa à entrevistadora, antes de sair, que ficou muito feliz por ter Danton ter sido guilhotinado antes dele. “Ele não prestava”, diz com um sorriso.

Camila Nogueira

Aos 19 anos, Camila Nogueira estuda Letras na USP. Já aos 10 anos, constatou que seus maiores interesses na vida consistiam em sua família, em cerejas e em Machado de Assis. Em uma etapa posterior, adicionou à sua lista ópera italiana e artistas coreanos.

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