O Rei não está louco. Ele está nu e alguém precisa gritar. Por Cynthia Ciarallo

Atualizado em 1 de agosto de 2019 às 23:53
Doidinho, tadinho

PUBLICADO NO MIDIA4P

POR CYNTHIA CIARALLO

Respeitem a loucura.

Não a ofendam.

Não justifiquem nem reifiquem manicômios por atos vis de um tirano.

Não, ele não é um louco.

Ele não representa a desrazão.

Ao contrário, ele representa uma racionalidade que por pouco tempo, com algum pudor, ocultava-se nas cordialidades cotidianas  e, hoje, sente-se livre, sem qualquer controle institucional e/ou moral que interrompa o avanço do seu desprezo à humanidade para além de si e dos seus.

Não, não invoquem a loucura para ocultar a racionalidade forjada em uma sociedade violentamente capitalista, individualista, racista, machista, heteronormativa, de classes, autoritária.

A loucura não pode ser mais uma vez violentada para ser usada como álibi para proteger decisões operadas, na verdade, pela racionalidade da destruição, do extermínio da diferença entre nós para sustentar privilégios.

A elite brasileira encontrou um interlocutor para legitimar suas violências de classe, para sofismar a liberdade de expressão como um recurso legítimo para perpetuar seus mandos históricos e amordaçar vozes que começavam a se emancipar.  E esse interlocutor não é um louco. Respeitem a loucura!

Despatologizemos a ausência de reverência a alteridade. Até porque a loucura – enquanto subversão dessa racionalidade historicamente hegemônica – seria amar, solidarizar-se, reconhecer a diversidade de existências e respeitá-la, sacralizar a mãe-terra e seus guardiães, dividir o pão em uma sociedade que faz do mérito a justificativa  para a manutenção da desigualdade.

Patologizar os princípios que ancoram o capital é seguir colonizando o imaginário com a falácia de que o desrespeito à alteridade não seria humano.  Infelizmente, é humano desumanizar.

Se há um protagonista, há uma trama que o mantém e um público cativo que o financia: a elite brasileira não pode, mais uma vez ser absolvida por seguir aplaudindo o espetáculo. Ela cria loucos para não se ver – nem ser vista – com suas ambiguidades de oportunidade.

Chamá-lo de louco, além de ocultar as razões que operam o jogo de forças em uma sociedade dissimulada na figura do cidadão do bem, é também legitimar a manutenção de manicômios – já nos dizia o alienista machadiano.

O Rei não está louco.
Ele está nu e alguém precisa gritar.