‘O Retorno do Rei’: documentário mostra o renascimento do mito Elvis Presley

Atualizado em 25 de novembro de 2024 às 21:34
Elvis Presley no especial de 1968 da rede NBC

Em junho de 1968, Elvis Presley começou os ensaios de sua primeira apresentação ao vivo em mais de sete anos. Ele não tinha uma música no top 10 há cinco anos e sua carreira como artista estava em risco. O rei do rock tinha virado uma piada, uma paródia de si mesmo. Como escapar da armadilha em que ele caiu por dinheiro e por medo do detestável Coronel Parker, seu empresário e Pigmalião?

Assim começa o excelente documentário “O Retorno do Rei: Queda e Ascensão de Elvis Presley”, na Netflix. Nele, narra-se a trajetória de Elvis até o especial na rede de TV NBC, que teve 42% das TVs dos EUA sintonizadas para assistir ao evento. O especial tentaria reafirmar sua imagem junto aos fãs, ao meio artístico e, principalmente, para ele mesmo.

Para costurar todo esse enredo, foram utilizados depoimentos de Elvis e Priscilla Presley, Billy Corgan (vocalista dos Smashing Pumpkins), Robbie Robertson (líder da mítica The Band), Bruce Springsteen, entre outros.

“O futuro inteiro dele dependia dessa apresentação. Ele estava em um período ruim, fazendo filmes que não queria fazer, sete anos sem pisar em um palco. O especial de 68 mostraria se ainda havia um público para ele como artista”, diz Jerry Schilling, amigo do cantor. “Se Elvis não fizesse a melhor apresentação de sua carreira, seria o fim”.

Elvis era diferente. Nasceu em East Tupelo, Mississippi, Estados Unidos, no dia 8 de janeiro de 1935. Filho de Vernon Presley e Gladys Presley, tinha um irmão gêmeo que não sobreviveu.

Em 12 de setembro de 1948, sua família mudou-se para Memphis, Tennessee, onde passou sua infância no rico e intenso processo de cristalização de seu talento. “Sempre querem saber por que não consigo ficar parado quando canto: eu observo a plateia e ouço. Estamos todos colocando algo para fora; ninguém sabe o que é. O importante é colocar para fora e que ninguém se machuque”, afirmou Elvis Presley.

Havia muita expectativa sobre o que “o menino do Coronel” iria aprontar no especial de TV. “Ele estava andando em uma linha tênue entre ‘sou autêntico’ e ‘perdi o encanto’”, disparou o cantor e produtor Robbie Robertson. O peso da responsabilidade o deixou inseguro para esse voo de retorno. Retorno à sua essência. A cultura negra das igrejas o forjou. Quando criança, ia até a igreja dos negros e ficava hipnotizado pela energia e pelos sons que reverberavam lá dentro.

Fez covers de artistas negros num tempo de segregação violenta. Elvis era o produto perfeito. Ele conseguiu unir tudo, pois “a música não separa; a maioria das músicas que ouvimos era de negros”, afirma Darlene Love, cantora que participou do especial de 68. “A música unifica.”

O Coronel enxergou um colossal veio em uma mina de ouro em estado bruto. Elvis reluzia moedas douradas nas retinas do astuto dono de parque de diversões. “O Coronel se resume em uma frase: ano passado, meu garoto valia um milhão de dólares; este ano, ele tem um milhão de dólares”, relembra Bruce Springsteen.

Elvis precisava ser pulverizado nas mídias possíveis, tanto quanto Mickey Mouse. A indústria do entretenimento estava em busca de um novo ídolo, bonito, carismático, simpático e magistralmente talentoso. Sinatra era o passado. Elvis, o futuro. Ele provocava a libido teen, a mais pura sensualidade no balançar das cadeiras. Apelidaram-no “Elvis, The Pelvis”.

Grosso modo, a linha do tempo e a carreira de Elvis Presley podem ser montadas assim: de 1954 a 1958, nascimento e auge do astro; a revolução musical, estética e comportamental que marcou a história do pop. De 1958 a 1960, alistado no Exército Americano, passou um purgatório na Alemanha durante a Guerra Fria. “Elvis morreu quando partiu para o exército. Foi quando o mataram. O resto seria apenas morte em vida”, disse John Lennon.

De 1960 a 1968, sua transformação em um artista palatável o tornou consumido pelo sistema, um bom moço da engenharia de Parker, em filmes medíocres, engordando as contas bancárias de ambos. Elvis era o artista mais bem pago de Hollywood, mas pagou o preço do suicídio artístico.

“Minha imagem em Hollywood estava errada; eu sabia. Eu não sabia o que fazer. Sentia-me obrigado a fazer coisas nas quais não acreditava. A certa altura, as decisões não eram mais minhas. Eu não fazia a aprovação final do roteiro, o que significa que eu não podia dizer: isso não é bom para mim, então eu fiquei bem frustrado. Nenhuma quantia de dinheiro no mundo faria eu me sentir pessoalmente satisfeito”, desabafou.

“Não havia ninguém para dizer ao Elvis como ele era bom, sabe? De uma forma profunda. Imagina ter todo esse talento, um artista revolucionário, e ter um mundo que não te entende, que basicamente acha que você é um palhaço”, afirma Bruce Springsteen.

Para Elvis, estava na hora de se botar à prova. Ele reúniu sua banda de origem, com quem gravou seus primeiros trabalhos. Acompanhado pelo guitarrista Scotty Moore e pelo baixista Bill Black, pioneiros do rockabilly, e pelo baterista D.J. Fontana, ele se preparou para mostrar ao mundo que ainda estava vivo e poderia provar sua grandeza aos milhões de corações pela tela da TV.

O especial de 68 mostrou a ele mesmo que ainda poderia ser o Rei Elvis, aquele que tinha se perdido nos pastiches cinematográficos e repertórios medíocres. O final dessa trágica história nós sabemos.

Mas ele, naquela noite de 68, se refletiu no espelho e mostrou quem influenciou toda uma geração de artistas, mudando o curso da música popular. Longa vida à memória de Elvis Presley, de roupas negras de couro e guitarra Hagnström vermelho-sangue. Naquela noite, Elvis foi ele mesmo. Para nunca mais voltar.