O risco para a democracia está nos cargos comissionados. Por Alberto Carlos Almeida

Atualizado em 4 de junho de 2020 às 17:33
Notas de real. Foto: Pixabay/Creative Commons

Publicado originalmente no blog do autor

POR ALBERTO CARLOS ALMEIDA, cientista político

Tenho afirmado categoricamente que a democracia não corre riscos no Brasil. Reafirmo isso aqui. Há uma ilusão de ótica causada pela cobertura de mídia que polui todas as percepções acerca do Governo Bolsonaro. Desenhar o oponente como sendo maior do que ele é, ajuda a atrair e mobilizar seguidores.

Psicólogos cognitivos demonstraram com várias pesquisas empíricas que quando se pinta um oponente mais forte do que realmente é, ganha-se a confiança de apoiadores. Quem faz isso realiza uma brutal simplificação do mundo, e acaba por passar por cima de toda a complexidade institucional que limita os poderes do Presidente da República. O discurso simplificador é simples e tentador, acima de tudo tem a capacidade de mobilizar, mas é anti Iluminista ao esconder a verdade sobre como funcionam as instituições. Trata-se de uma fantasia. O caminho para limitar a democracia no Brasil é lento e gradual, e passa pela ocupação dos cargos comissionados por militares.

Na Venezuela de hoje uma das maiores dificuldades para que Maduro deixe a presidência tem a ver com a ocupação de seu governo por militares, corruptos. Lentamente, desde quando Hugo Chávez era presidente, os militares foram ocupando cargos da administração pública. É compreensível, portanto, que a corrupção adentre as Forças Armadas. Antes tratava-se de um mal que só afligia os políticos. Na medida em que militares tomam decisões de alocação de recursos públicos, eles passam a ser pressionados por interesses privados dos mais variados. Na ausência de órgãos de controle sólidos, os militares também cedem à tentação da corrupção. Se Maduro for derrotado pela oposição e cair, não apenas ele irá preso, mas também todos os militares corruptos que o apoiam. Aí está o risco para a democracia no Brasil.

Em 1999 havia menos de 17 mil cargos comissionados no Governo Federal, em 2014 esses cargos já eram mais de 23 mil. Os nomeados sem vínculo com o serviço público são mais frequentes nos cargos mais bem pagos, cujos salários não são menores do que 13 mil rais, uma quantia desejada por qualquer militar da reserva ou da ativa. Circular matérias jornalisticas que afirma que os militares ocupam hoje três mil cargos comissionados. Imaginemos que isso seja realmente verdade e que, com o passar do tempo, eles venham a ocupar muito mais do que isso. Não é fantasia prever que muitos cairão na tentação da corrupção que se tornará uma renda adicional aos já elevados salários dos cargos que ocupam. Com o passar do tempo se tornará mais difícil retirar essa gente do poder, tal como ocorre hoje na Venezuela.

Diante desse cenário, é compulsório concluir que rejeitar a ocupação do Governo Bolsonaro pelo Centrão é sinônimo de deixar o caminho livre para a eventual venezuelização do país. O que pode parecer um malefício no curto prazo, o toma lá-dá-cá da ocupação de cargos por políticos, tende a ser um grande benefício para o país no médio e longo prazos. Como sempre, a boa política é feita por políticos, que em geral são também civis.