O separatismo ganha força entre as novas doenças mentais do Brasil. Por Sacramento

Atualizado em 18 de novembro de 2016 às 7:01

rio - separatismo

 

Movimentos separatistas não são novidade na história recente do país, mas a adesão do discreto Espírito Santo em um movimento antes restrito a Estados da região Sul e à potência econômica São Paulo é o sinal de que muita gente está levando esta história a sério.

Melhor dizer “a sério”, pois as propostas parecem saídas de uma conversa de botequim. Em comum os separatistas pregam o livre mercado, estímulo ao empreendedorismo, redução dos impostos, fim da corrupção, endurecimento das leis contra os criminosos e educação sem doutrinação de esquerda. Sobre a chaga da desigualdade social, nenhum sussurro.

A maior queixa é que o governo federal se apropria de grande parte dos recursos arrecadados pelos Estados e não os devolve na mesma proporção.

A discussão, contudo, é no mínimo superficial, sem aprofundamento em assuntos como o chamado pacto federativo, relação entre União, Estado e municípios que trata inclusive das partilhas dos tributos.

Digo no mínimo porque há uma dose de patetice que caberia no Febeapá (Festival de Besteira que Assola o País) do Stanislaw Ponte Preta.

A começar pelos separatistas do meu aconchegante e ensolarado Espírito Santo, onde a única universidade pública é administrada pelo governo federal. Se o sonho deles se concretizar, o Estado será uma monarquia.

Pela lógica, se é possível alguma lógica nessa história, o reinado deveria ser oferecido ao único rei nascido no ES: Roberto Carlos. Porém os defensores da secessão espírito-santense querem dar a coroa a herdeiros da família Orleans e Bragança.

A situação é ainda mais delirante em Roraima. A página do Facebook “Roraima é Meu País”, com pouco mais de 780 curtidas, tem fotos de guerrilheiros e relatos de confrontos. “Nossa tática de guerra popular prolongada tem sido vitoriosa. Estamos cercando a cidade de Boa Vista prontos para qualquer contra-ataque da reação”, diz um dos posts.

Exceção entre os separatistas, a página de Roraima prega uma revolução socialista. Cheira a delírio fake e as mentiras postadas são evidentes. Mesmo assim ela tem mais curtidas que outras duas páginas que defendem a independência do Estado nortista, ambas chamadas “Movimento Roraima Independente”. Juntas não chegam a 300 fãs. As duas seguem a tendência de defender o liberalismo econômico.

Liberdade, contudo, só para fazer negócios. No âmbito político a agenda separatista é conservadora com toques de autoritarismo.

“O Rio de Janeiro deve ficar atento com o fundamentalismo islâmico. No Rio independente não permitiremos que haja colônia de muçulmanos no nosso país, impedindo que haja terreno para o Estado Islâmico criar células terroristas”, informa um post na página “O Rio é o Meu País”.

Em outro comentário, a página alerta que “no Rio independente não será permitida a existência de movimentos ou partidos de orientação socialista/marxista.”

Os confrades capixabas partilham do mesmo ideal. Em uma discussão no Facebook, o responsável pela página diz que vai incentivar a imigração europeia para o Espírito Santo. Ao ser perguntado por uma internauta se eles abririam as fronteiras para refugiados da guerra na Síria, a resposta foi enfática.

O Movimento São Paulo Livre mostra sua força
O Movimento São Paulo Livre mostra sua força

 

“Quanto a Sírios, esquece. Não temos intensão de islamizar nosso estado. Nossa relação é com países prósperos e não com países falidos aos moldes do governo PT”.

Pelo visto esses recentes movimentos separatistas se alimentam da paranoia antiesquerdista que cresce a cada dia.

Cinco desses grupos (São Paulo Livre, O Rio é o Meu País, Grupo de Estudo e Avaliação Pernambuco Independente, Roraima é Meu País e Espírito Santo é o Meu País) se uniram na entidade Aliança Nacional, para a partir dela fundar um partido político para propor a reforma constitucional que permita a separação dos Estados.

Os pioneiros sulistas, por enquanto, não se juntaram ao grupo.

Em entrevista ao Estadão, o fundador da Aliança Nacional e membro do São Paulo Livre Flávio Rebello prevê para 2032 a data de separação do seu Estado. A moeda já foi escolhida e se chamará Ouro. O Rio de janeiro também já definiu a sua, o Goytacaz.

Apesar do otimismo de Rebello e de seus companheiros de luta, o sonho de formar o próprio país não será simples como planejam, conforme explica o professor da Universidade de Vila Velha (UVV) e cientista político Vítor de Angelo.

“A Constituição é clara ao estabelecer como cláusula pétrea a indissolubilidade da federação. Ou seja, até é possível criar novos municípios e novos estados (vide plebiscito recente tratando da divisão no estado do Pará), mas não a transformação de um estado num novo país. Pois isso feriria a Constituição. Também não entendo que caberia uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para isso, já que estamos falando de uma cláusula inviolável. A única forma de resolver esse “impasse” seria pela convocação de uma nova Assembleia Nacional Constituinte a aprovação de uma nova Carta Magna permitindo a saída de algum estado e, consequentemente, instaurando um novo desenho federativo. Mas isso é pouco crível”.

Nada disso abala o movimento, com adeptos até no caçula Tocantins. Com tantos indícios de insucesso e poucos argumentos irrefutáveis, a causa separatista brasileira parece birra de criança mimada.

Daquela que pega umas roupinhas, o brinquedo preferido e ameaça fugir de casa, inocente das adversidades que o esperam do lado de fora.