
Por Reynaldo Aragon
A morte de Charlie Kirk escancarou uma falha histórica dos liberais, democratas e até de parte da esquerda nos Estados Unidos: o medo de dar nome aos bois. Kirk não era apenas um polemista conservador. Era um neonazista, supremacista branco, fundamentalista religioso, armamentista e propagador de um discurso violento.
Durante anos, no entanto, circulou em universidades, parlamentos e programas de TV como se fosse apenas mais uma voz no debate público. A hesitação em denunciá-lo pelo que de fato representava abriu caminho para que sua influência crescesse e contaminasse o tecido social americano.
O silêncio cúmplice funcionou como combustível. Personagens como Kirk, Steve Bannon, Tucker Carlson e Donald Trump foram tratados como “controversos”, “populistas” ou “conservadores duros”, quando na realidade operavam a normalização da violência política.
O cálculo liberal foi claro: não confrontar para não acirrar a polarização. O resultado foi pior. A omissão permitiu que ideologias supremacistas se enraizassem e fragilizassem instituições. Hoje, os EUA convivem com atentados, perseguições digitais, assassinatos, ameaças em universidades e uma democracia permanentemente tensionada.
Esse erro não é exclusivo dos americanos. O Brasil já mostra sinais da mesma degradação. O bolsonarismo importou a cartilha da alt-right americana e a tropicalizou. Nikolas Ferreira é o exemplo mais acabado: um influenciador transformado em deputado, que mobiliza massas jovens com retórica agressiva, anti-intelectual e misógina.

Recentemente, a Folha de S.Paulo registrou que grupos neonazistas brasileiros elogiaram Nikolas após a morte de Kirk. Isso não é coincidência, é reverberação ideológica. Ignorar esse dado é fechar os olhos para a infiltração do extremismo no centro da política.
O Brasil não pode cometer o mesmo erro dos EUA. Não se trata de “não dar palco”, mas de expor com clareza quem são esses personagens e quais valores representam. É papel do jornalismo, das instituições democráticas e da sociedade civil romper com a narrativa da “polêmica inofensiva” e assumir a denúncia.
Quando se hesita em chamar um supremacista de supremacista, um neonazista de neonazista, o que se faz é legitimar sua atuação.
Nikolas Ferreira não é apenas um “deputado conservador” ou um “político polêmico”. Ele representa risco concreto à democracia. Ao ser exaltado por grupos neonazistas, já ultrapassou a fronteira entre discurso conservador e legitimação de extremismos. Não nomear isso é ser cúmplice.
A lição é urgente: ou o Brasil enfrenta de frente esses atores, ou repetirá o caminho americano — uma democracia corroída por dentro, sob risco de implodir em violência política. Não há espaço para meias-palavras. É hora de dar nome aos bois.