O Stalin trotsquista da Venezuela. Por Maringoni, de Caracas

Atualizado em 8 de outubro de 2019 às 8:42
Stalin Pérez Borges

Crônicas caraquenhas – 1

Na última semana de setembro, passei uma semana em Caracas, graças ao crowdfunding realizado pelos apoiadores do DCM.

De lá, enviei uma série de reportagens e vídeos, comentando os dilemas políticos da Venezuela. Completo a cobertura com algumas crônicas sobre o dia a dia da capital.

O STALIN TROTSKYSTA

Stalin Pérez Borges é um senhor de estatura mediana, olhos pequenos e ariscos e rosto vincado. É troncudo e forte, o que o faz parecer mais jovem que seus 68 anos.

Sua competência como organizador e leitor voraz o tornou conhecido como um dos principais líderes sindicais venezuelanos e dirigente de uma organização trotskysta. Sim, você leu isso mesmo: na Venezuela há um Stálin trotskysta, fato possivelmente inédito no mundo!

León Trotsky (1879-1940) foi inimigo figadal e vítima da perseguição de Josef Stalin (1878-1953), primeiro dentro do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e depois em uma epopeia por vários países, até ser assassinado no México.

Trotskystas e stalinistas vivem às turras ao redor do mundo há quase um século.

Stálin Pérez Borges faz troça da ironia histórica. Enfrentou piadas e provocações sem conta ao longo da vida. “Meu pai nunca foi comunista e nem parentes próximos”, conta rindo, num restaurante do centro de Caracas.

Arturo Pérez não estava por perto quando o filho nasceu. Trabalhador por 33 anos da Pequiven, empresa petroquímica que nos anos 1970 se tornaria subsidiária da PDVSA, poderosa estatal do setor, passava dias e às vezes semanas fora de Tucuyo de la Costa.

Trata-se de uma cidadezinha localizada na foz do rio Tucuyo com o mar do Caribe, no estado Falcón, noroeste da Venezuela.

“Quando minha mãe deu à luz, em 1951, quem a acompanhou foi meu avô, Beltrán Soto, camponês e pescador”. O velho era também poeta e filiado à Ação Democrática (AD), partido de inclinações socialdemocratas com tinturas liberais, fundado cinco anos antes.

“Ele e os amigos cultivaram um hábito na década anterior. Seguiam eletrizados pelo rádio a maioria das movimentações militares da II Guerra Mundial. Torciam para a URSS, em especial após a invasão alemã (1941)”.

Ninguém da roda de boêmios era claramente de esquerda.

Quando Berlim caiu diante da ofensiva soviética, em maio de 1945, Stalin – o original – tornou-se figura mítica ao redor do mundo, incluindo aí a rapaziada de Tucuyo de la Costa.

Os amigos radio-ouvintes – como se dizia na época – de Beltrán Soto fizeram uma promessa entre si: cada um homenagearia o líder soviético assim que nascessem filhos homens.

Soto já tinha seus rebentos. Não havia ninguém à vista para batizar. Na segunda quinzena de abril de 1951, a oportunidade surgiu, diante da ausência do genro. Decidiu cumprir a promessa ao registrar o neto que chorava em seu colo.

“Há seis ou sete Stálins em minha cidade”, conta o sindicalista. Seu amigo de infância Stálin Torrez Torrez tornou-se dirigente do setor agrário da AD e Stálin Riera foi por três vezes prefeito de Iturriza, município vizinho à Tucuyo.

Há ainda Stálin Quevedo e Stálin Zambrano, saídos da mesma ninhada.

Talvez a maior proporção de Stálins por metro quadrado do Ocidente tenha sido quebrada por novas homenagens. Há incontáveis Hugos nascidos no país ao longo das duas últimas décadas. Registrados por pais, mães ou avós.