O suicídio do tenente, a orgia com prostitutas e o mito das Forças Armadas incorruptíveis. Por Sacramento

Atualizado em 23 de julho de 2020 às 0:17
Exército brasileiro. Foto: Divulgação

A condenação de 19 militares por um esquema de corrupção nas Forças Armadas com direito a orgia com prostitutas me fez lembrar de um caso ocorrido no 38º Batalhão de Infantaria, unidade do Exército Brasileiro localizada em Vila Velha, Espírito Santo.

Na manhã do dia 28 de abril de 2006, o primeiro tenente Arthur Felipe de Carvalho Julião, na época com 26 anos, foi encontrado morto no banheiro com um tiro na testa. Ao lado do corpo estavam a pistola calibre 9 milímetros que o oficial usava em serviço e um bilhete de despedida.

O inquérito policial militar instaurado para investigar o fato concluiu que foi suicídio, porém a função exercida pelo tenente levantou a hipótese de assassinato.

Arthur de Carvalho era tesoureiro do batalhão e teria informações a respeito de irregularidades financeiras e administrativas.

A história foi contada pelo repórter Rodrigo Rangel na matéria “Morte na Caserna”, para a Istoé de março de 2007.

Nela, há informações a respeito de relações nada republicanas entre o 38º BI e um hospital particular de Vila Velha. Ligações que teriam deixado o jovem tenente perturbado, conforme pode-se constatar no trecho reproduzido abaixo:

O caso mais importante envolve uma dívida milionária do batalhão com o Hospital Santa Mônica, situado num bairro vizinho. Há quase 20 anos o hospital presta serviços ao quartel. Mas, a partir de 2005, o atendimento passou a ser feito sem licitação nem contrato entre as partes. Mesmo assim, o hospital cobrava do Exército uma fatura de R$ 2,2 milhões. O tenente Arthur se negava a fazer o pagamento e sofria pressões para fazê-lo.

Religioso, 25 dias antes de morrer, durante uma aula de crisma na Igreja Católica que frequentava, ele anotou no caderno: “Tô tenso! Dívida com o Hosp. Santa Mônica no valor de R$ 2.200.000,00 não tem como pagar (…) O comandante tá obrigando a pagar.” A anotação é corroborada por depoimentos.

“[O tenente] sentia-se pressionado pelo Comando do Batalhão e pelo setor financeiro do Hospital Santa Mônica para realizar o pagamento que não estava de acordo e não seguia a legislação vigente”, diz uma testemunha. Outro depoente relata uma conversa que teve com o próprio Arthur sobre seu drama, um dia depois de uma reunião na casa do comandante: “A ordem é pagar tudo, e eu, tenente Arthur Carvalho, não pago! Não pago! Não pago!”

Em valores corrigidos pelo IPCA, a fatura hoje passaria dos R$ 4,5 milhões, quantia três vezes maior que os valores corrigidos do esquema que condenou recentemente os 19 militares do Exército.

Os dois casos servem como lembrete de que as Forças Armadas estão longe de serem trincheiras da moralidade.

Como diversas outras organizações públicas ou empresas, as FA têm a corrupção como companheira desagradável. Embora discreta, graças ao corporativismo e ao apreço pelo sigilo inerentes ao mundo militar.