“O Suplente” é o filme argentino da Netflix que você tem que ver agora. Por Roger Worms

Atualizado em 2 de maio de 2023 às 9:54
Cena de “O Suplente”, filme argentino na Netflix

A América Latina amargou experiências neoliberais com viés autoritário nos últimos governos, com forte avanço de milícias no tecido político e máquina pública.

Esse é o cenário do longa argentino “O Suplente”, que retrata o momento de transformação na vida de um intelectual da literatura que se vê reiventando a vida pessoal e profissional como professor substituto em bairro periférico de Buenos Aires onde nasceu e do qual afastou no curso da vida acadêmica.

Um “Ao mestre com carinho“ latino-americano,  em período onde o abandono das normas civilizatórias e o atraso ideológico dominam.

É um filme de orçamento baixo e dramaticidade elevada, dirigido e escrito por Diego Lerman, que mostra uma Buenos Aires lado B.

A obra chega no exato momento em que temos uma discussão fundamental do controle das redes sociais e consequentemente de uma nova perspectiva para uma juventude em desconstrução: cheia de traumas, queixas, desvios éticos e humanos, gerando uma fobia de final dos tempos, herança deixada pela pandemia.

Grande parte da trama se passa no interior de uma sala de aula em escola pública periférica, com suas limitações e preconceitos ímpares, personagens, imperfeições, dramas e descobertas.

Os ataques nas escolas norte-americanas, que tomaram de assalto nosso cotidiano nas últimas décadas, povoando o nosso imaginário em cenas de pânico e terror, começam a criar seus seguidores em terras brasileiras.

A sociedade se deformou e existem pontos de desequilíbrio que não vão ser consertados e sim, talvez, remediados. O estrago já foi feito.

Muita violência e abandono dos jovens, muito game para provocar destruição e assassinatos em série e narcisismo generalizados nas plataformas e aplicativos. O  ódio tomou conta de um território sem lei e normativos. Um comércio desenfreado, uma proposta mercantil sem escrúpulos.

Talvez a mais cruel e indócil deformação do sistema capitalista moderno. Tudo passa pelas telas: política, comportamento, dinheiro, trabalhos , sexo e afetividades complexas. A vida para alguns lunáticos virou estatística e curtidas. Estamos perdidos sem saber exatamente como lidar com tanta violência e descontrole.

Esses são os personagens que estão largados nas classes mundo afora, nas periferias e centros urbanos. Em todo lugar o trabalho dos professores é fundamental no combate ao isolamento e mediocridade reinantes nas relações das crianças no mundo digital. Estudos comprovam que estamos formando uma geração mais limitada em recursos cognitivos e estão sendo embrutecidos em desperdício de neurônios.

O legado do professor Lucio (boa atuação de Juan Minujin) acende questões básicas como independência, autoconfiança e a primordial crítica. Ele tem missões importantes além das salas de aula, tais como ajudar o seu pai líder comunitário a se opor às milícias e ao tráfico de drogas infiltrados na política da região de infância.

Filme delicado e humano em momento tão estranho, em que a vida não passa de cliques de selfie ou um de uma arma virtual que alguns transferem para vida real e levam para a escola ceifando vidas em formação.