O Tibete não é Shangri-la

Atualizado em 29 de junho de 2013 às 8:12

Um budismo artisticamente rico se misturou no Tibete com uma ditadura religiosa cruel e ignorante.

Dalai Lama

Anoitecia num subúrbio arborizado de Nova York e eu tomava vinho com Seymour Topping, de 90 anos, ex-editor do New York Times, no terraço com vista para o jardim, quando sua mulher Audrey anunciou-nos que eles estavam com seu sétimo neto há dois dias.

“Agora eu sou babá dele”, disse Audrey, feliz. “Minha filha mora a apenas 15 minutos de distância. Passei o dia todo de ontem cuidando do bebê.”

Falando sobre sua filha e o novo bebê, Audrey parecia uma avó qualquer. Ninguém teria idéia de que ela foi também um dos jornalistas que melhor cobriram a China.

Aproveitando a estreita relação de seu pai Chester Ronning com líderes comunistas anteriores a 1949, Audrey desfrutou de uma amizade incomum com o falecido premiê chinês Zhou Enlai, que vinha do começo da década de 1940, quando seu pai serviu como embaixador canadense na China e ela cursou a Universidade de Nanquim.

O casal de jornalistas Seymour e Audrey Topping

Sua primeira missão na China como jornalista foi em 1966, no início da Revolução Cultural (1966-1976), quando os americanos foram proibidos pelo governo dos EUA de entrar no país. Sua ensaio fotográfico “Viagem à Negra China Vermelha” foi a reportagem de capa da revista do Times. Em 1971, pouco antes da visita histórica do presidente Richard Nixon, a National Geographic publicou uma reportagem de capa de 36 páginas, de sua autoria, intitulada “De Volta à China.” Em 1975, Audrey deu a notícia da grande descoberta arqueológica de mais de 7 mil guerreiros de terracota em tamanho natural, enterrados com o primeiro imperador da China em Xi’an.

Numa parede da sala de estar, vi retratos do premiê chinês Zhou Enlai nas capas de Life, Newsweek e Le Figaro, que foram tiradas por Audrey no início de 1970. Um retrato de uma Audrey sorrindo em pé ao lado do Dalai Lama estava em cima de seu piano.

Audrey e Seymour trabalharam como camaradas de armas em muitas das suas matérias sobre a China.

Seymour escreveu artigos e colunas para o New York Times, diretamente de Lhasa, em 1979 . Ele escreveu: “Vinte anos depois de assumir o controle total do Tibete, o governo de Pequim ainda luta para elevar o padrão de vida dos tibetanos para o nível frugal em que a maioria dos chineses vive.”

Depois da viagem tibetana, Audrey publicou o livro de fotos Esplendores do Tibete. Trinta anos após a sua publicação, o livro permanece como uma das mais belas tentativas de encontrar um meio-termo entre as posições do governo chinês e as de exilados tibetanos.

Um artesão chinês, numa das fotos de Audrey

Numa resenha do New York Times, Jay Mathews escreveu: “O Tibete não é um Shangri-La, mas fornece um exemplo notável do quanto a elevação do espírito humano pode subir e quão baixo pode afundar quando alijada do mundo exterior. Os tibetanos desenvolveram sua própria marca de um budismo exótico e artisticamente rico. Eles também criaram uma ditadura religiosa que rivalizava com qualquer outra na Terra em questões de crueldade e ignorância”.

Durante sua visita em 1979, Audrey viu 106 esculturas em tamanho real, de barro, chamadas “A Ira dos Servos”. O americano mais conhecido a visitar a prisão de Potala foi Theos Bernard. Ele escreveu em seu livro A Cobertura dos Deuses, de 1939: “A prisão me lembrou uma armadilha para capturar um leão comedor de gente: era cheia de almas murchas e miseráveis, trotando com membros acorrentados”.

Enquanto escrevia sobre os tibetanos aliviados de ter sido libertados dos abusos dos proprietários de servos, Audrey não poupou esforços em criticar a Revolução Cultural por destruir templos e relíquias na década de 1960. Ela também criticou a China por não dar voz aos tibetanos que queriam criar um novo Tibete.

O Tibete nunca foi um reino perfeito, nem era um Shangri-La, como retratado na mídia ocidental, em novelas e filmes. Para conhecer um quadro mais completo do Tibete, devemos também escutar pessoas como os Toppings.