O traíra Doria cai pelas tabelas enquanto Haddad, que comeu o pão que o diabo amassou, segue na luta. Por José Cássio 

Atualizado em 25 de setembro de 2018 às 16:33
Eles

Fernando Haddad e João Doria despontaram na vida eleitoral de forma bastante parecida: ambos na condição de paus mandados – Haddad como “poste” de Lula na eleição municipal de São Paulo em 2012 e Doria como “coelho de cartola” de Geraldo Alckmin quatro anos mais tarde para conquistar a mesma prefeitura.

As semelhanças terminam aí.

E as diferenças vão ficando cada dia mais evidentes à medida em que se aproxima a reta final desse primeiro turno.

Haddad, derrotado pelo tucano em 2016, cresce e se fortalece na disputa pela presidência. Doria desidrata na corrida pelo governo de São Paulo.

“Antes é preciso entender o caminho que cada um percorreu até chegar à prefeitura”, diz Antônio Carlos Mazzeo, professor de História da USP e Ciências Sociais na PUC-SP.

“Haddad foi ministro por seis anos, trabalhou na secretaria de Finanças no governo de Marta Suplicy e tem um histórico de militância dentro do PT. Doria levou para dentro da administração um espírito de conveniência típico do brasileiro”.

Falou em conveniência, logo vem à mente o cachorrada do “gestor” com o padrinho político – nem bem tomou posse saiu percorrendo o país como candidato à presidência, sem considerar as pretensões e em boa medida expondo as deficiências de Geraldo.

Pergunto ao professor.

– O eleitor percebe que houve traição? Ele agora está namorando, só falta beijar Bolsonaro na boca.

– Percebe mas não condena, diz Antônio Carlos Mazzeo. Pois esse tipo de oportunismo é característico da história política do Brasil, assentada em partidos fracos e nenhum sentido de ideologia. Nosso eleitor vota em pessoas, não em programas.

Não fiquei satisfeito com a resposta. E então recorri a um experiente marqueteiro político para tentar entender o que pra mim é obvio: Doria está pagando os pecados porque traiu Geraldo e Haddad ganhando musculatura porque comeu o pão que o diabo amassou junto com Lula e não abandonou o barco feito rato.O povo há de enxergar a conjuntura como eu enxergo.

Não é o que diz Chico Malfitani, que, entre outros feitos, comandou a lendária “virada” de Luiza Erundina sobre Maluf em 1988.

“Primeiro ponto a se destacar: Haddad e João Doria são água e vinho, não se misturam. O primeiro tem história, tem projeto, representa um partido político com inserção no país todo, tem compromissos claros. João Doria é alguém que aproveitou um momento de crise na instituição política e conseguiu sintetizar esse sentimento numa frase que deu certo: ‘Não sou político, sou gestor’”.

Curiosamente, as dificuldades que Doria vêm enfrentando agora decorrem do jargão, não da traição, conforme explica Malfitani.

“Ele se vendeu como um gestor e logo no primeiro dia se revelou um político. E agora para piorar incorporou a tática da pior escola política que tivemos, que é a de Paulo Maluf: a tática da promessa vazia e da repressão”.

A isso, some-se uma boa dose de preconceito, como a manifestada na crítica à obesidade de Márcio França.

“Isso é sinal de que a campanha dele não vai bem”, ensina Malfitani. “Quando você começa a atirar pra tudo que é lado é sinal de desespero”.

Pergunto se o episódio tem potencial para superar a gafe de Marta Suplicy, em 2008, quando insinuou que Kassab era gay.

“Com menos intensidade, mas vai trazer consequências, sim”, diz o publicitário, para quem João Doria já rodou.

“Dificilmente ele ganha essa eleição: sua rejeição na capital e Grande São Paulo é imensa. Vai precisar de muito voto no interior para tirar tanta diferença”.

Quem diria que os papéis iriam se inverter em tão pouco tempo?

O meninão protegido da velha imprensa fazendo ginástica para se safar do infortúnio e Haddad, o patinho feio transformado em “poste de Lula” nadando de braçada rumo a uma real possibilidade de vitória.

“É uma incoerência imaginar que os eleitores não enxergam o que está diante de todos. Qual o grande projeto de Doria em São Paulo? Se perguntar para qualquer pessoa bem informada vai dizer que é jogar água em mendigo e maltratar os zumbis da cracolândia”, diz o professor de História da USP e Ciências Políticas da PUC-SP.

“Em relação a Haddad é o oposto: alguém que foi ministro, criou a inclusão na Educação superior, inaugurou universidades federais em todo o país, tentou humanizar São Paulo, criou mecanismos de combate à corrupção e ainda ajustou as finanças da cidade. É alguém que representa um programa, uma proposta clara de ação, não a si próprio”.

Seja qual for o resultado final da eleição, as trajetórias do coelho Doria e do poste Haddad ensinam que quem tinha mesmo razão eram nossas avós: o povo é sábio, muito mais do que a gente imagina.