“O verdadeiro traficante nunca pisou na favela”, diz o criador de Arcanjo Renegado

Atualizado em 1 de novembro de 2025 às 17:44
Cena de Arcanjo Renegado. Foto: Reprodução

A quarta temporada da série “Arcanjo Renegado” estreia nesta quinta-feira (6) no Globoplay, trazendo de volta o universo de violência, tráfico e corrupção que marca a produção desde 2020. Criada por José Junior, fundador do AfroReggae, a trama ganhou novo peso diante da recente megaoperação policial nos complexos da Penha e do Alemão, que deixou 121 mortos. Gravada antes da chacina, a série aborda temas que seguem atuais, expondo a complexidade das dinâmicas de poder por trás do crime organizado no Rio de Janeiro.

José Junior, 57 anos, afirma que a nova temporada amplia o olhar sobre o tráfico e rompe com estereótipos. “O verdadeiro traficante nunca pisou na favela”, diz o criador. Para ele, a guerra urbana que domina o noticiário brasileiro não envolve os chefes que controlam o comércio internacional de drogas. “Eles têm responsabilidade, claro, mas não estão nessa guerra diária que a gente vive no Rio e que hoje atinge o país inteiro”, explica.

Em “Arcanjo Renegado”, o tráfico aparece em múltiplas camadas, das disputas locais às redes transnacionais. A nova temporada, segundo Junior, mostra como o crime opera em alta escala e movimenta fortunas longe da mira da polícia. “Alguns desses grupos atuam sem uso da violência. É outro tipo de poder, invisível e mais difícil de enfrentar”, afirma o idealizador. O roteiro, escrito antes da recente crise na segurança pública fluminense, mantém o foco na corrupção política e nas alianças entre facções e setores do Estado.

José Junior. Foto: Reprodução

O criador da série também lembra que a ficção dialoga com a realidade política do Rio de Janeiro. Um dos eixos da nova temporada trata da ascensão de um pré-candidato ao governo que se vale do discurso da “lei e ordem” para capitalizar o medo e o caos urbano. Para José Junior, esse enredo reflete o uso eleitoral da violência — uma dinâmica que, na vida real, tende a dominar o debate público nas eleições estaduais de 2026.

José Junior se tornou figura conhecida no país em 1993, ao fundar o Grupo Cultural AfroReggae, que promove inclusão social por meio da arte e da cultura afro-brasileira. Desde então, tem se dedicado a projetos audiovisuais que discutem temas ligados à desigualdade, juventude e violência. “Arcanjo Renegado”, estrelada por Marcello Melo Jr., consolidou-se como uma das produções nacionais de maior sucesso do Globoplay, justamente por unir ação policial com crítica social.

Com o lançamento da nova temporada, o criador espera provocar reflexão sobre o ciclo de violência e as narrativas simplistas que o alimentam. Para ele, a série mostra que enfrentar o tráfico e a criminalidade passa por compreender suas estruturas econômicas e políticas, não por soluções imediatistas. “Esse filme de quem promete resolver tudo com um tiro já foi exibido. E o final, além de inútil, virou um escândalo”, resume Junior, em tom de alerta para o público e para o país.