A sorte do Brasil é que nós catarinenses somos poucos. Na votação da PEC do voto impresso isso ficou evidente mais uma vez. Dos 16 deputados federais de Santa Catarina, 14 foram favoráveis ao delírio bolsonarista. Índice que só não foi o maior do país porque todos os 9 deputados de Rondônia disseram sim ao retrocesso.
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Paraná e Rio Grande do Sul também não perderam a chance de nos envergonhar, mas Santa Catarina se mantém no topo do atraso sulista.
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Gostaria de saber como Rondônia pode superar o meu querido estado no lugar mais alto desse triste pódio, pois não conheço a região e qualquer comentário que fizesse a respeito poderia estar carregado de preconceitos. Mas Santa Catarina eu conheço muito bem, e ser catarinense basicamente só me causa desgosto.
A questão do voto impresso é apenas mais um capítulo da tragédia que Santa Catarina representa no cenário político nacional. Talvez não exista uma única pauta nefasta já discutida no Congresso sem o apoio majoritário da bancada catarinense.
Há fatores diversos envolvidos para que isso aconteça, e não caberia neste texto esmiuçá-los, mas talvez seja possível identificar alguns deles.
Santa Catarina é formada majoritariamente de pequenas cidades, em que não há cinemas, museus, livrarias, teatros, universidades… O maior município, Joinville, não chega a 600.000 habitantes.
Os deputados federais catarinenses em geral são oriundos dos centros regionais, conquistando os votos das cidades menores a partir do poder econômico. A minha cidade natal, por exemplo, com 50.000 habitantes, quase nunca é capaz de eleger um deputado, e vota em peso naqueles que possuem recursos financeiros para expandir a campanha pela vizinhança, e sequer conhecem os demais candidatos.
É óbvio que historicamente esse dinheiro vem de empresários, que garantem assim que seus interesses sejam devidamente representados no Congresso. O financiamento público de campanha não mudou em nada esse cenário em Santa Catarina, e o dinheiro do fundo eleitoral, nas mãos dos caciques partidários, segue direcionado às mesmas oligarquias.
A mídia hegemônica catarinense também está nas mãos dessas oligarquias, assim como acontece em todo o país. A diferença talvez seja que mesmo comentaristas do nível da Jovem Pan possam passar por civilizados diante de figuras como Luiz Carlos Prates ou Cacau Menezes. Ainda assim há espaço para resistência nas mídias alternativas, e o portal Catarinas é um exemplo de jornalismo de qualidade feito no estado.
Outro fator decisivo para a miséria política catarinense pode ser o tamanho da classe média, aparentemente maior do que em qualquer outro estado. Uma classe média com mentalidade provinciana, embrutecida pela falta de acesso à cultura, e que se identifica com os ideais da Casa Grande, mesmo não fazendo parte dela.
Talvez porque a escravidão não foi tão explorada em Santa Catarina, e o estado se serviu muito mais da imigração europeia. O que por um lado evitou a pobreza extrema destinada aos povos escravizados, sem direito a nenhuma indenização ou reparação histórica, e por outro, nos manteve aprisionados ao discurso mequetrefe da meritocracia.
É como se esse afastamento da realidade nacional, marcada profundamente pela escravidão, tenha feito de nós catarinenses um povo ainda mais alienado, que em servidão voluntária se sujeita a uma elite predatória, imaginando-se também elite, sonhando em ser elite, ou satisfeito com as migalhas.
Parece faltar ao catarinense um choque de realidade, talvez como o que eu tive ao ir morar no Rio de Janeiro e dar de cara com o tamanho da favela da Maré. A maior pobreza em Santa Catarina, a que mais choca e revolta, é a de espírito.
Bolsonaro não precisaria se preocupar em conspirar contra a democracia, com seus cúmplices militares ou do Centrão, a depender de nós catarinenses, Por mais incrível que pareça, é bem provável que em Santa Catarina ele ainda fosse reeleito. A sorte do Brasil é que somos poucos.