Obra bancada por emenda de bolsonarista Carlos Jordy é assinada por morto

Atualizado em 21 de julho de 2025 às 11:45
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado Carlos Jordy (PL-RJ). Foto: Reprodução

Um homem morto há quase três meses “assinou” um documento usado em um projeto esportivo financiado com dinheiro público por meio de uma emenda parlamentar do deputado federal bolsonarista Carlos Jordy (PL-RJ), conforme informações do UOL.

A assinatura de Edson Diniz Ângelo, que morreu em 30 de novembro de 2023, aos 66 anos, foi incluída em uma proposta da empresa Transtar Serviços Empresariais, datada de 23 de fevereiro de 2024, apresentada ao Instituto Realizando o Futuro no âmbito do projeto Mais Rio em Movimento, que recebeu R$ 4,8 milhões da emenda.

A proposta fazia parte de uma pesquisa de preços para a contratação de serviços de locação de veículos com combustível.

Em cima, o registro de óbito de Edson Diniz Ângelo, morto em 30 de novembro de 2023 e, embaixo, proposta com a assinatura dele em 23 de fevereiro de 2024
Acima, o registro de óbito de Edson Diniz Ângelo, morto em 30 de novembro de 2023; abaixo, a proposta com a assinatura dele, datada de 23 de fevereiro de 2024. Foto: Reprodução

A presença de um morto entre os signatários de propostas reforça suspeitas de uso de cartas marcadas por ONGs para simular concorrência e favorecer empresas específicas.

Segundo investigadores, esse tipo de esquema permite o desvio de recursos públicos por meio da contratação de firmas ligadas a dirigentes das próprias entidades, com pagamentos por serviços que não são entregues.

Desde 2021, a Transtar participou de ao menos 40 pesquisas de preços, todas sem sucesso em licitações. A empresa foi usada por institutos como Realizando o Futuro, Carioca de Atividades, Fair Play, Brasil Social e pela ONG Con-tato — esta última também envolvida em outras denúncias.

O que diz o bolsonarista?

Carlos Jordy, que solicitou a execução do projeto em parceria com a Unirio, declarou não ter qualquer relação com a gestão financeira da iniciativa nem responsabilidade sobre a escolha ou fiscalização dos fornecedores. Por meio de sua assessoria, afirmou ter “total interesse na apuração dos fatos”.

Embora o recurso tenha sido liberado pela bancada fluminense, a interlocução e o direcionamento foram feitos pelo parlamentar. O projeto ofereceu aulas de esportes como boxe, karatê e futebol em 21 núcleos, dos quais 13 ficam em Niterói, reduto político de Jordy. O projeto teve início em março de 2023 e está sendo encerrado em julho de 2025.

Desde 2023, Jordy destinou mais R$ 13 milhões em emendas individuais para o Instituto Realizando o Futuro, para a ONG Con-tato e para o ICA (Instituto Carioca de Atividades), todos alvos de questionamentos.

Após reportagens denunciarem suspeitas sobre o uso das verbas, cerca de R$ 9 milhões foram remanejados para três novas entidades: Inatos, Núcleo Social Bem Viver e Movimento Cultural Social, que até então não tinham histórico relevante de recebimento de verba federal.

Procurado, o Instituto Realizando o Futuro afirmou que não é responsável pelas propostas enviadas por empresas não contratadas.

A Unirio declarou que “a assinatura de uma pessoa morta causa estranheza” e que cabe aos órgãos competentes investigar, ressaltando que a responsabilidade é da empresa envolvida, que pode responder por “falsidade ideológica ou falsidade de assinatura”.

Edson Ângelo, que morava sozinho na zona norte do Rio, era dono da Transtar desde 2020, foi funcionário da ONG Con-tato em 2019 e fazia parte do conselho do ICA em 2018. Após sua morte, a DHB Empreendimentos — empresa da qual também era proprietário — recebeu R$ 436 mil em outro projeto executado pela Con-tato, com recursos do governo estadual.

Nenhum detalhe sobre o serviço

Apesar de não ter contratado a Transtar, o Instituto optou pela Telecoop Cooperativa de Transporte, com proposta mensal de R$ 8.320 ao longo de 16 meses.

O valor incluía R$ 5.320 por carros sem motoristas e R$ 3.000 em combustível, mas a proposta não detalhava número de veículos, estimativa de uso nem fazia menção ao projeto correto — o documento citava o “Meio Ambiente Informa”, ligado a outra emenda, do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ). A Telecoop já recebeu R$ 124.800, mas as notas fiscais emitidas não especificam os serviços prestados.

Farra das ONGs: Proposta apresentada pela empresa Transcoop no projeto Mais Rio em Movimento
Proposta apresentada pela empresa Transcoop no projeto Mais Rio em Movimento. Foto: Reprodução/UOL

A empresa respondeu por e-mail que os detalhes estão “no corpo das notas fiscais” e que a logística cabe ao contratante. Já o Instituto Realizando o Futuro afirmou que os veículos foram usados para transporte da equipe técnica, supervisores da Unirio e da empresa de monitoramento.

A Unirio confirmou que houve visitas aos núcleos e museus, mas não há comprovação sobre os veículos utilizados. A universidade ainda afirmou que o projeto não entrou na fase de prestação de contas, mas que, caso não haja comprovação adequada, os recursos poderão ser cobrados de volta.