“Ocupe Tudo”

Atualizado em 1 de junho de 2013 às 18:46

 

Na catedral ontem

“Ocupe Tudo”.

Estou na Catedral de São  Paulo, em Londres, onde  desde 15 de outubro ativistas estão acampados em proteto contra as desigualdades sociais.  A palavra de ordem parece ter mudado. Vejo  a meu redor cartazes que pregam ocupar tudo. Pela televisão, vejo a mesma mensagem em manifestações do gênero ao redor do mundo.

Em Nova York, o prefeito Michael Bloomberg mandou a polícia tirar as tendas dos ativistas no parque Zucotti. A prefeitura de Londres também quer se livrar das tendas da catedral. Os donos foram formalmente informados de que deviam pegar suas coisas e sair. Tudo bem, segundo as autoridades, protestar das formas convencionais. Mas acampar não. Os manifestantes tinham até as 18 horas de hoje para ir embora. Não foram. É provável que a questão termine na justiça.

Os ânimos estão mais exacerbados do que da outra vez que estive lá. Também há claramente mais gente. Presencio duas discussões bizantinas. Numa, delas uma estudante de política nascida na Nigéria e radicada em Londres pedia a algumas pessoas que dissessem exatamente o que elas queriam.  “Onde o comunismo funcionou?”,  ela perguntava.

Em nenhum, é verdade. Mas não parece ser esse o ponto.  As pessoas na catedral parecem ser não contra o capitalismo, mas contra a forma que ele tomou nas últimas décadas. Não haveria tendas em nenhum lugar, provavelmente, se a riqueza fosse um pouco mais bem distribuída. Basta olhar para os salários dos presidentes de empresas dos Estados Unidos para entender a revolta.

"Terra da Liberdade", segundo a faixa dos manifestantes

Eles, a partir de um determinado momento nos anos 1980, passaram como que a definir seus ganhos. Muitos levantavam e levantam dezenas de milhões de dólares por isso. Como o dinheiro estava vinculado a bônus em caso de lucros, a busca por resultados imediatos ficou obsessiva. O futuro que se dane, parecia ser a mensagem. Pois se ferrou. O futuro chegou e as empresas que só cuidaram do dia seguinte para que seus executivos montassem em bônus são agora a raiz da ruína americana.

Como esperar que uma situação dessas perdurasse sem que em algum momento a revolta popular eclodisse?

A segunda discussão que presenciei foi provocada por um homem na dos 60. Estava bem vestido, tinha bons dentes —  enfim, claramente não pertencia aos 99%. Ele apontava para um cartaz que dizia que o 11 de Setembro não existira. “Isso é uma mentira”, ele dizia. Um rapaz admitiu que a frase tinha que ser reescrita. “O que queríamos é que não existiu da maneira como os americanos apresentam o episódio”,  diz o rapaz.

Um outro manifestante fica irritado. “Não respeito o que você está dizendo”, diz ele ao senhor que questionava o cartaz. Depois, o ativista irritado virou as costas e foi embora.  O homem, num impulso, gritou para ele: “Você é um perdedor”.

O ativista era, segundo a lógica vigente, um “perdedor”.  O insulto berrava expressava uma visão do mundo que divide as pessoas entre vencedores e perdedores. Via-se pelas roupas, pelo cabelo que o manifestante tinha pouco dinheiro. Era claramente um dos “99%”, como todos os seus companheiros de protesto na catedral.

Alguns, como o senhor inquisitivo, chamam os manifestantes de “perdores”. Outros preferem tratá-los como “excluídos”.

Fico com a segunda alternativa.

Se os “vencedores”, o  “1%”, tivesse cuidado um pouco mais dos outros em vez de se deixar tomar pela ganância egoísta e predadora, não haveria ninguém disposto a ocupar lugar nenhum.