Olavetes dão palestras e ocupam o Itamaraty. Por Altamiro Borges

Atualizado em 20 de julho de 2020 às 23:45
Bolsonaro, Olavo de Carvalho, Ernesto Araújo e companhia. Foto: Alan Santos/PR/AFP

Publicado originalmente no Vermelho:

Por Altamiro Borges

Ernesto Araújo, o ministro das Relações Exteriores que idolatra o filósofo de orifícios Olavo de Carvalho, está destruindo a diplomacia brasileira – que já virou motivo de piada no exterior. A revista Época informa que o “influenciador bolsonarista que sugeriu a prisão de Gilmar Mendes dará palestra no Itamaraty”.

Segundo a notinha, “Flávio Gordon dará palestra virtual nas redes da Fundação Alexandre Gusmão (Funag), o braço de estudos do Itamaraty. Ele falará sobre ‘globalismo e comunismo’… Flávio Gordon tem um repertório vasto de impropérios publicados nas redes sociais”. É um fascistoide aloprado e provocador.

“Entregar a chave aos chineses”
Pelo Twitter, ele já sugeriu a prisão do ministro do STF (“só me avisem quando o Gilmar Mendes for preso”), afirmando que se isso não ocorrer “é melhor fechar o Brasil e entregar a chave aos chineses”. Ainda chamou o movimento “Black Lives Matter” (Vidas Negras Contam), dos EUA, de racista.

Ele não é o primeiro miliciano digital bolsonarista convidado pelo Itamaraty. “Já palestraram pelas redes da fundação os influenciadores Allan Santos, Bernardo Küster e Flavio Morgenstern – este último condenado na Justiça por espalhar fake news afirmando que Caetano Veloso teria cometido pedofilia”, descreve a Época.

“Comunavírus” e as loucuras do chanceler

Já a Folha lembra que em plena pandemia do coronavírus, ainda em abril, o olavete Ernesto Araújo “foi alvo de críticas ao escrever sobre o que chamou de ‘comunavírus’ e ao traçar analogia entre o isolamento social para conter o coronavírus e os campos de concentração nazistas que mataram milhões de judeus”.

Na ocasião, o Itamaraty anunciou uma série de seminários da Funag. Um deles, segundo a Folha, remetia no título à pandemia. “Memória do comunismo e atualidade do vírus da mentira”. Ele tinha como expositor o jornalista espanhol Federico Jiménez, autor do livro “Memoria del Comunismo: de Lenin a Podemos”.

Conforme registrou a Folha, “na gestão do chanceler Ernesto Araújo, a Funag tem convidado palestrantes disseminadores de ideias doutrinárias e ideológicas para seus eventos. Recentemente, ela promoveu evento chamado ‘Castro-Chavismo: crime organizado nas Américas’”.

Pedido de esclarecimento ao Itamaraty

A forte presença no Itamaraty dos seguidores do filósofo de orifícios já causa reações. Em matéria postada na semana passada no UOL, Jamil Chade informa que “o ministro Ernesto Araújo terá de prestar esclarecimentos formais sobre o eventual papel que Olavo de Carvalho teria na formulação da política externa brasileira que, nos últimos meses, vem assombrando o mundo com posturas ideológicas e isolando o Brasil no cenário internacional”.

O requerimento enviado ao Itamaraty foi apresentado pela bancada do PSOL na Câmara Federal. “Pela lei, o ministério é obrigado a prestar informações quando é solicitado por deputados. A carta, obtida pela coluna, lembra que o chanceler se referiu, em 2019, a Olavo de Carvalho como ‘um homem que, após o presidente Jair Bolsonaro, talvez seja o grande responsável pela imensa transformação que o Brasil está vivendo’”.

Entre outros questionamentos apresentados no pedido de esclarecimento, os deputados perguntam: “Em que bases e em que sentido seria Olavo de Carvalho o grande responsável pela transformação do Brasil?”; “O Sr. Olavo de Carvalho exerce algum papel na formulação e na execução da atual política externa brasileira? Em caso afirmativo, descrever de que modo e em que termos”.

A bancada do PSOL também questiona sobre o uso da fundação ligada ao Itamaraty para promover eventos. “Quais os critérios de seleção dos temas e dos conferencistas das atividades Fundação Alexandre de Gusmão? Solicita-se o envio de lista de todas as atividades da Funag realizadas desde janeiro de 2019 até a presente data (…), acompanhadas da relação exaustiva de todos os custos”.

Os vexames do Brasil no exterior

Como registra o jornalista, “nos últimos meses, a entidade organizou seminários, todos eles com referências ao guru do governo. Em várias das mesas, porém, os convidados eram pessoas que, hoje, estão sob investigação. ‘Qual a avaliação deste ministério sobre eventuais danos à sua credibilidade à credibilidade da política externa brasileira em virtude da participação em eventos da Funag de blogueiros bolsonaristas sob investigação do Supremo Tribunal Federal no inquérito sobre disseminação de notícias falsas (“fake news”)?’, questionam os deputados”.

Para justificar seu pedido de esclarecimento, o PSOL lembrou os vexames recentes da diplomacia nativa em fóruns internacionais. “Só nesta semana, a representação brasileira na Organização das Nações Unidas (ONU) exigiu a retirada de um trecho de uma resolução do Conselho de Direitos Humanos que versava sobre o acesso universal à educação sexual como forma de combater a violência e a discriminação contra mulheres e meninas e de outro que mencionava ‘saúde reprodutiva’ em uma resolução contra mutilação genital feminina”.

“Há algumas semanas, o Brasil não assinou pacto ao qual mais de 130 países aderiram contra a propagação de informações falsas no contexto da pandemia de Covid-19; e votou contra uma resolução da ONU que recomenda a aplicação do Direito Internacional na questão dos assentamentos impostos por Israel no território palestino”.

“No ano passado, o país também alterou drasticamente a sua posição em relação ao embargo econômico imposto a Cuba pelos Estados Unidos da América (EUA), votando contra uma resolução que condenava a medida, acompanhado apenas por Israel e os EUA, abandonando um posicionamento de quase três décadas”, apontam”.

“Em todas estas ocasiões, os posicionamentos brasileiros aparecem como materialização do esforço empreendido por Ernesto Araújo de atacar o que chama de “globalismo” – a seu ver, um plano das esquerdas mundiais para implantar o comunismo em escala global através de organismos internacionais como a ONU”.

“O chanceler não esconde que reconhece o astrólogo Olavo de Carvalho como um dos grandes responsáveis pelas mudanças pelas quais passa o país e sob sua gestão, a Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) parece estar a serviço do pensamento olavista, minando diariamente o prestígio do Itamaraty”.

“Neste contexto de afastamento da respeitada tradição diplomática brasileira, de ataques ao multilateralismo e de um aparelhamento ideológico extremo, acientífico e inconsequente das relações exteriores, urge que este Parlamento e a sociedade em geral tenham acesso às informações aqui solicitadas”.