Onze fatos que ligam a família Bolsonaro ao “capitão” Adriano, morto em circunstâncias misteriosas. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 9 de fevereiro de 2020 às 17:29

Morto a tiros hoje pela polícia na Bahia, Adriano Magalhães da Nóbrega prestou depoimento no caso Marielle e deixou pelo menos uma lacuna. Ele não se lembrou onde estava no dia em que a vereadora foi assassinada.

“Perguntado se o declarante se recorda de onde estava em 14 de março do corrente ano (2018), que respondeu não se recordar ao certo, mas provavelmente que,  na parte da noite e nos dias de semana, sempre está em sua casa ou em seu sítio, visto que costuma acordar bem cedo.”

O depoimento foi prestado no dia 20 de agosto de 2018, quando a Polícia ainda não tinha apresentado os Ronnie Lessa e Élcio Queiroz como executores do crime.

Adriano Magalhães da Nóbrega é apontado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro como um dos líderes do Escritório do Crime, uma organização criminosa da qual faziam parte Ronnie e Élcio.

A morte de Adriano tem, portanto, consequências para a investigação do caso Marielle.

Para quem mandou matar vereadora, motivo de alívio ou comemoração.

Para quem quer buscar a verdade, o caminho fica mais difícil, mas não impossível.

Adriano pode ter deixado relato — uma carta, por exemplo —, como fez o jornalista Alexandre von Baumgarten, em um caso rumoroso do início da década de 80.

Em 1982, dois dias antes de ser assassinado, Baumgarten compôs um dossiê, que seria entregue, mais tarde, à revista Veja.

No documento, ele detalhava o plano do SNI para matá-lo. Baumgarten era jornalista e serviu à ditadura.

Relançou a revista O Cruzeiro, com linha editorial de apoio ao governo dos militares.

Tinha anúncio de organizações envolvidas em esquema de corrupção.

Baumgarten era também ligado ao empresário Ronald Levinsohn. Morava num apartamento dele em Ipanema, Rio de Janeiro.

O dossiê foi entregue à Veja uma semana depois da intervenção do governo militar na Delfin, instituição financeira de Ronald Levinsohn que administrava cadernetas de poupança.

O assassinato como solução para problemas políticos nem sempre dá bons resultados. Às vezes, o efeito é inverso.

No caso do assassinato do “capitão” Adriano, é impossível não cogitar implicações políticas.

E se o assunto é implicações políticas, o nome que vem de imediato à mente é o de Jair Bolsonaro — e sua família, claro.

O elo do miliciano com Bolsonaro é evidente. Seguem alguns fatos:

  1. Em 2005, o então deputado federal Jair Bolsonaro Bolsonaro defendeu Nóbrega em discurso na Câmara. Nóbrega respondia a processo por homicídio. “Um dos coronéis mais antigos do Rio de Janeiro compareceu fardado, ao lado da Promotoria, e disse o que quis e o que não quis contra o tenente (Adriano), acusando-o de tudo que foi possível, esquecendo-se até do fato de ele (Adriano) sempre ter sido um brilhante oficial e, se não me engano, o primeiro da Academia da Polícia Militar”, disse.
  2. Também em 2005, o primogênito de Jair, Flávio Bolsonaro, deputado estadual, condecorou Adriano com a mais alta honraria da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a Medalha Tiradentes.
  3. Danielle, a esposa de Adriano, foi nomeada no gabinete de Flávio Bolsonaro em 6 de setembro de 2007 e lá permaneceu até 13 de novembro de 2018, quando foi demitida no contexto do escândalo da rachadinha — esquema de desvio de dinheiro público (parte dos salários dos servidores) em benefício do deputado estadual.
  4. A mãe de Adriano, Raimunda, também foi assessora de Flávio Bolsonaro, primeiro na liderança do partido a que ele estava filiado, o PP, do qual era líder, depois no próprio gabinete.
  5. Danielle e Raimunda receberam na Assembleia Legislativa do Rio R$ 1.029.042,48, do qual repassaram R$ 203.002,57 a Fabrício Queiroz — que, por sua vez, é suspeito de fazer depósitos em dinheiro na conta de Flávio.
  6. Danielle faltou a depoimento no Ministério Público sobre o esquema da rachadinha por determinação do marido. “Boa noite! O amigo pediu para vc não ir em lugar nenhum e tbm não assinar nada”, escreveu Adriano em mensagem a Danielle no dia 15 de janeiro de 2019.
  7. No dia seguinte, 16 de janeiro, Queiroz perguntou a Danielle se ela tinha sido intimada a depor. “Eu já fui orientada. Ontem fui encontrar os amigos”, afirmou.
  8. “Amigos”, segundo o Ministério Público, é uma referência aos integrantes da milícia no Rio de Janeiro. A ausência de Danielle no depoimento beneficiava Flávio Bolsonaro, empenhado em impedir o avanço das investigações.
  9. Fabrício Queiroz, suspeito de ser uma espécie de intermediário do caixa 2 de Flávio Bolsonaro, recebeu depósitos de duas pizzarias controladas por Adriano — a Pizzaria Tatyara Ltda (R$ 45,33 mil) e o Restaurante e Pizzaria Rio Cap Ltda (R$ 26,92 mil).
  10. Fabrício Queiroz, o intermediário nesse esquema sujo, também depositou pelo menos um cheque na conta de Michelle Bolsonaro, esposa do presidente, no valor de R$ 24 mil.
  11. No livro “Tormenta”, de Taís Oyama, Bolsonaro é citado como aquele que deu a ordem para que Fabrício Queiroz não prestasse depoimento ao Ministério Público, no final de 2018, que indica a determinação dele para que a investigação sobre o esquema de corrupção no gabinete do filho Flávio não fosse adiante. Se não quis o depoimento de Queiroz, por óbvio Bolsonaro não queria também o de Danielle.

A morte de Adriano no Estado da Bahia também traz à tona a defesa que Jair Bolsonaro fez na Câmara dos Deputados de integrantes de um esquadrão da morte no estado.

“Desde que a política de direitos humanos chegou ao nosso país, cresceu, se avolumou e passou a ocupar grande espaço nos jornais, a violência só aumentou. A marginalidade tem se sentido cada vez mais à vontade, tendo em vista esses neoadvogados para defendê-los. Quero dizer aos companheiros da Bahia que agora há pouco veio um parlamentar criticar aqui os grupos de extermínio e que, enquanto o Estado não tiver coragem para adotar a pena de morte, esses grupos de extermínio, no meu entender, são muito bem-vindos. E se não tiver espaço na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo apoio. Que, no Rio de Janeiro, só as pessoas inocentes são dizimadas. E na Bahia — as informações que eu tenho, lógico que são grupos ilegais, mas, no meu entender, meus parabéns —, a marginalidade tem decrescido”, discursou.

A presença do foragido Adriano no estado indica mesmo uma certa proximidade entre grupos de extermínio dos dois estados.

Na hipótese de que tenha sido alvo de queima de arquivo, Adriano não contava com o fato de que, como na máfia, a milícia (ou grupo de extermínio) mata quem for preciso.

O policial civil Leonel Radde, do departamento de homicídios do Rio Grande do Sul e integrante do movimento Polícia Anti-Fascista, comentou:

“Será que o Flávio e o Jair Bolsonaro irão ao enterro do amigo miliciano Adriano da Nóbrega?”

Se eram amigos, o natural é ir.

Mas, até agora, apesar de sempre muito falantes, nenhum Bolsonaro se manifestou. Nem Sergio Moro, que não havia incluído Adriano da Nóbrega na relação de procurados do Ministério da Justiça.