Orçamento de 2021 vai aprofundar a crise. Por José Dirceu

Atualizado em 7 de abril de 2021 às 10:04
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, durante cerimônia no Palácio do Planalto Foto: Evaristo Sá/AFP

Por José Dirceu

Num momento de tragédia humanitária nacional, de dor e luto, não bastasse o comportamento entre irresponsável e criminoso do presidente, a Câmara dos Deputados e o Senado aprovaram um Orçamento para 2021, com três meses de atraso, absolutamente fora da realidade da dura vida da maioria do nosso povo –que está entre a fome e a morte.

O Orçamento foi aprovado com a conivência do governo e de seu ministro da Economia, que, mesmo sabendo da ilegalidade, nem sequer se dignou a encaminhar uma nova proposta com o reajuste do salário mínimo. Hoje temos um salário mínimo irrisório, incapaz de fazer frente ao aumento dos preços da luz, do gás, do transporte e da cesta básica.

O texto aprovado subestima as despesas discricionárias e corta despesas obrigatórias, com graves consequências exatamente para as áreas mais necessitadas no gravíssimo momento em que vivemos. Estamos falando da Previdência e assistência social, abono salarial, seguro-desemprego, proteção ambiental, ciência e tecnologia, agricultura familiar e o IBGE, para o censo de 2021.

Orçamento da fome

O país já havia assistido, entre a perplexidade e a indignação, às tentativas de corte e desvio de recursos do Fundeb e de se acabar com o piso obrigatório de gastos na saúde e educação. Agora, num momento em que mais se necessita de investimentos na saúde e educação, na pesquisa científica e técnica e que o agravamento da pandemia impõe maior isolamento social exigindo urgentemente um auxílio emergencial de R$ 600 até que todos sejam vacinados, temos um orçamento achatado, que não vai suprir essas demandas.

Muito menos se terá dinheiro para apoiar as MEIS e PMEs, por meio do Pronampe; para proteger o emprego e a renda (o que temos é a volta do Bem, programa de corte de jornada e salários) e para os governos estaduais e municipais.

Os partidos da base do governo, que formam a maioria na Câmara dos Deputados, aprovaram um Orçamento para 2021 na contramão da realidade e das necessidades para se enfrentar a grave situação de calamidade nacional. Claro que essa peça orçamentária que representa um escárnio à sociedade e ao povo brasileiro foi aprovada com voto contrário do PT, PSOL, PSB e PC do B, além do partido Novo.

Calamidade pública

A primeira questão que se impõe é a evidente necessidade de se declarar a cláusula de calamidade pública para permitir superar o teto de gasto e o sub-teto das emendas constitucionais 95 e 109. Não haverá saída para a escalada de mortes pela covid-19 e colapso do sistema de saúde público e privado, dos IMLs e cemitérios, sem isolamento social e mesmo lockdown.

Para tanto é indispensável o auxílio emergencial e o apoio ao comércio, ao setor de serviços; aos micros, pequenos e médios empresários, que são os mais afetados pela crise. É preciso garantir o emprego e a renda da maioria dos trabalhadores formais. Temos que ter um plano de investimentos de emergência em obras públicas visando à criação imediata de empregos e estímulos à retomada do crescimento econômico.

Sem essas medidas, vamos ficar à mercê do irracional teto de gastos e escravos da chamada consolidação fiscal, uma sandice em plena crise mundial de pandemia e recessão. O que temos que fazer é o contrário: aplicar estímulos à atividade econômica e não cortar gastos e investimentos e aumentar juros, como mostra a experiência de 2020 quando reduzimos a queda do nosso PIB a -4,5% com os estímulos fiscais e de crédito que o país usou.

O governo e seu ministro da Economia continuam insistindo no caminho da destruição da economia e do povo trabalhador. Não abandona o ultrapassado receituário neoliberal nem mesmo frente ao exemplo das medidas adotadas pela União Europeia e, principalmente, pelos Estados Unidos. Lá, o presidente Biden apresentou um plano de criação de empregos, investimentos sociais na infância, saúde e educação, em energia limpa e na área ambiental, em inovação e infraestrutura de US$ 2,3 trilhões. Para isso, aumentou impostos sobre os mais ricos e empresas sonegadoras, ainda que não tenha revogado todos os benefícios dados por Trump. É bom lembrar que o governo democrata já havia realizado um plano de estímulo e incentivos de US$ 1,9 trilhão.

Na contramão do mundo estamos cortando investimentos e gastos sociais, desprotegendo a demanda e o consumo das famílias, abandonando as empresas à sua própria sorte, numa política econômica cega que vai nos levar ao precipício. Uma política também pensada para sabotar a luta contra a covid, impedindo, na prática, a maioria dos trabalhadores e pequenos empresários de cumprir as regras do isolamento.

Apagão administrativo

Enfrentamos a ameaça de paralisação da máquina pública por insuficiência de recursos discricionários, pois o governo, para garantir a maioria no Congresso via concessão de emendas no Orçamento aos deputados, cortou na carne as despesas obrigatórias que atendem aos mais necessitados. Deixou a saúde e o SUS com o mesmo Orçamento de 2019, uma barbaridade. Agora, num misto de cinismo e hipocrisia, o ministro da Economia se faz de vítima e joga toda a culpa no Congresso Nacional com bravatas de que não assinará o Orçamento. Faz toda a encenação sem esconder que seu único objetivo é o teto de gastos, o austericídio, e não garantir recursos para a saúde e a educação, para o emprego e a renda, para o auxílio emergencial.

O ministro Paulo Guedes, sob protestos de seus próprios servidores e assessores de carreira, se fez de rogado. Deixou o Legislativo aprovar esse orçamento fake, repleto de manobras contábeis e ilegalidades flagrantes, fora as discutíveis, conforme a destinação, emendas parlamentares impositivas e de execução obrigatória.

Mais uma vez, para atender o teto de gastos, a regra de ouro, o chamado mercado e os rentistas, quem vai pagar a conta serão os pobres, os desempregados, os pequenos empresários. A maioria privilegiada, os ricos e abastados que não pagam impostos que mereçam esse nome, vão continuar em céu de brigadeiro. Nem mesmo um imposto extraordinário sobre fortunas ou lucros e dividendos foi proposto pelo governo para enfrentar o ciclo de morte.

Sob o terrorismo da divida pública e do déficit público, o Brasil mantém-se prisioneiro de uma mentira. O que diminui a relação dívida-PIB é o crescimento e não a austeridade. Esta nos coloca em uma armadilha à espera de uma quimera: que as privatizações e reformas como as da Previdência, trabalhista e administrativa nos tragam crescimento quando, na verdade, o que geram é mais desemprego, mais famílias com menos renda e menos participação na renda nacional. Sem renda vem o subconsumo, que na outra ponta leva ao fechamento de mais empresas, à ampliação dos cartéis e monopólios, à desindustrialização e ao aumento da pobreza e da desigualdade.

Com isso, vamos perdendo a corrida para entrar efetivamente no século 21, onde vão liderar tecnologias como o 5G, a inteligência artificial, o carro elétrico, a energia limpa. Somos, hoje, um pária e uma ameaça no mundo. Perdemos importância na América do Sul, quando poderíamos ser o país líder do desenvolvimento ambiental sustentável, da igualdade social e da democracia.