Os 6 segundos que mudaram a música para sempre

Atualizado em 11 de dezembro de 2025 às 1:29
The Winstons, a banda que mudou a história da música sem saber que fez isso

O “Amen break” é um solo de bateria que se tornou o trecho de música mais sampleado da história, presente em mais de 6 mil canções. Com apenas seis segundos de duração, ele aparece em “Amen, Brother”, de 1969, dos Winstons, uma banda multirracial de soul. Apesar do sucesso espantoso, os membros do grupo nunca receberam um centavo pela composição.

Na época, ninguém imaginava que aquela batida revolucionaria a música — nem mesmo os próprios compositores. A faixa foi criada em cerca de 20 minutos por Richard Spencer, ex-vocalista e saxofonista dos Winstons, enquanto o baterista Gregory Coleman não demonstrou muito entusiasmo, mas aceitou gravar a parte que mais tarde ficaria eternizada.

Outra música do mesmo álbum, “Color Him Father”, estourou nos Estados Unidos e recebeu até uma indicação ao Grammy, mas “Amen, Brother” passou despercebida por mais de 15 anos. Os próprios Winstons, enfrentando dificuldades para conseguir shows no sul dos Estados Unidos, se separaram pouco depois do lançamento, em 1970.

Foi apenas em 1986, quando o solo de bateria de Coleman foi incluído na famosa coletânea de hip-hop “Ultimate Breaks and Beats”, do DJ Breakbeat Lou, que o Amen break ganhou vida própria. No mesmo ano, o trio feminino Salt-N-Pepa adaptou a bateria para o single “I Desire”, que traz uma variação mais lenta do sample, em um ritmo único que acompanhou o crescimento do rap.

“Quando é usado, o Amen break raramente soa da mesma forma duas vezes; ele é acelerado, desacelerado, cortado, reorganizado e tem o tom alterado”, diz Stephen Collins, professor da Universidade Macquarie, na Austrália, à revista Business Insider. Segundo ele, o Amen break “forneceu as bases para muitos lançamentos iniciais do hip-hop” e mostrou “como um único solo de bateria poderia ser manipulado e reusado de forma criativa”.

O hino do rap “Straight Outta Compton”, do NWA, lançado em 1988, catapultou o Amen break para o mainstream. Na década de 1990, o sample virou a base da música dance britânica, inaugurando o gênero que ficou conhecido como drum and bass.

Artistas de diferentes gêneros, como David Bowie, Amy Winehouse, Oasis e The Prodigy também aderiram ao Amen break em algumas de suas faixas. Bowie o fez em “Little Wonder”, Amy no hit “You Know I’m No Good” e o Oasis a sampleou em “D’you know what I mean?”. O trecho também é a base do tema de desenhos animados como “Futurama” e “As Meninas Superpoderosas”.

O Amen break se expandiu para o rock, o pop e até para o jazz. A fusão de sua batida crua com outros estilos musicais construiu novas sonoridades que mantiveram o sample vivo na cultura musical global, mas os Winstons nunca foram pagos por isso. Em 2015, fãs realizaram uma vaquinha na internet que arrecadou 24 mil libras (cerca de R$ 138 mil) para o cantor Richard Spencer.

Spencer, que desistiu da carreira musical após o fim dos Winstons e seguiu a vida num emprego burocrático em Washington, contou ao Financial Times que se sentiu “invadido” quando, em 1996, uma gravadora lhe pediu uma cópia da gravação original. “Eu senti como se tivesse sido tocado em um lugar onde ninguém deveria tocar”, disse ele.

O músico afirmou, porém, que posteriormente se sentiu mais em paz com o uso do sample. “Não é a pior coisa que pode acontecer com você. Sou um homem negro na América e o fato de alguém querer usar algo que eu criei — isso é satisfatório”, declarou à BBC em 2015.

Já Gregory Coleman, o baterista responsável pela gravação, morreu sem reconhecimento, morando na rua, em 2006. Segundo Spencer, ele provavelmente partiu sem saber da importância de seu trabalho para a história da música.

6 músicas que usam o sample de “Amen, Brother”

Davi Nogueira
Davi tem 25 anos, é editor e repórter do DCM, pesquisador do Datafolha e bacharel em sociologia pela FESPSP, além de guitarrista nas horas vagas.