“Os 7 de Chicago”, da Netflix, é um filmaço de tribunal passado nos anos 60 feito para a era Trump

Atualizado em 1 de novembro de 2020 às 13:51

Um filme bem ao gosto americano: julgamento, júri , juiz, réus em busca de visibilidade e dramáticas sequências de desrespeito às ordens jurídicas e morais. Ingredientes infalíveis para um sucesso de audiência.

“Os 7 De Chicago”, de Aaron Sorkin, narra um dos julgamentos mais importantes da história dos EUA, em plena guerra do Vietnã.

É a aposta da Netflix para ganhar o Oscar.

A sociedade civil americana em ebulição azeitada por uma guerra imperialista e os segmentos populares marginalizados que a representavam: Yippies (hippies politizados), Panteras Negras, estudantes secundaristas e universitários de esquerda, intelectuais em debate e choque contra o atraso de séculos de uma sociedade sustentada no discurso do cidadão de bem e Wasp (White, anglosaxan and protestant).

Eita assuntinho bom para requentar, né?

Principalmente em momento efervescente na terra do Tio Sam, onde coronavírus e preconceitos mil ceifaram centenas de milhares de vidas e os direitos da comunidade negra continuam a ser pisados no pescoço.

A oportunidade do tema não se restringe apenas aos EUA. Se você é brasileiro e atento sabe que o sistema de justiça nesta imitação tupiniquim destina-se a punir, preferencialmente, pretos, pobres e “quase brancos, quase pretos de tão pobres”.

O filme também nos faz empáticos às vítimas da parcialidade nada sutil de certos juízes de piso tratados como heróis. Pelo menos o representante escolhido para figurar na acusação formal, e já vitoriosa de antemão, parecia não se sentir tão confortável quanto Dallagnol, em  Curitiba, se sentia ao produzir powerpoints sem apresentar provas.

Os fatos: vários grupos de oposição à Guerra do Vietnã, que se reuniram em Chicago durante a convenção do partido democrata, em agosto de 1968, foram violentamente reprimidos pela polícia chancelada pelas ordens do governo Federal.

É bom lembrar que os Democratas estavam no poder desde 1961. Com a morte de Kennedy, em 1963, e a entrada de Lyndon Johnson na presidência, o envolvimento dos EUA na guerra ficou muito mais violento. Esse foi o motivo da ida dos manifestantes àquela convenção.

O grupo levado ao judiciário, acusado de incitar o confronto do povo com as autoridades, era composto por Abbie Hoffman (Sacha Baron Cohen), Jerry Rubin (Jeremy Strong), Tom Hayden (Eddie Redmayne), Bobby Seale (Yahya Abdul Mateen II), Rennie Davis (Alex Sharp), David Dellinger (John Carroll Lynch), Lee Weiner (Noah Robbins) e John Froines (Danny Flaherty). Foram todos, menos Bobby Seale,  defendidos por William Kunstler (Mark Rylance).

Abbie Hoffman & Jerry Rubin eram ativistas Yippies que, durante o julgamento,  em meio a intervenções anárquicas e cômicas, conseguiram expor a desqualificação do juiz. Mas eram brancos.

O co-fundador dos Panteras Negras, por sua vez, Bobby Seale, em todas as intervenções, foi reprimido e punido de forma injusta e violenta.

Fica evidente que mesmo em um espaço onde juiz e promotores estavam instruídos a ditarem a cartilha reacionária imposta pelo recém empossado na Casa Branca, Richard Nixon, do Partido Republicano, o racismo ainda conseguia escalonar a crueldade.

Um longa-metragem bem estruturado em que o fio da meada não se perde em retóricas ou desperdícios. Belo registro desse momento tão especial.