Os bastidores do descumprimento do HC de Lula na Superintendência da Polícia Federal do Paraná. Por Marcelo Auler

Atualizado em 11 de julho de 2018 às 21:12

Publicado originalmente no blog do autor

POR MARCELO AULER

Damous e Pimenta, que estiveram na superintendência, não são citados na ocorrência (Foto: Eduardo Matysiak)

O domingo 08 de julho entrou na história do judiciário brasileiro. Se até então discutia-se a insegurança jurídica que se abate sobre o país com idas e vindas nas decisões e, mais ainda, manobras e chicanas processuais – inclusive, e principalmente, do Supremo Tribunal Federal (STF), como descritas em Fachin: um estrategista anti-Lula -, a partir de domingo algo mais grave pontuou: o que eram um Poder, deixou de ser atendido.

O registro da desobediência está no sistema informatizado da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal do Paraná (SR/DPF/PR). Consta ali Ocorrência 564/2018 (transcrita na ilustração ao lado). Levada ao computador pelo Agente de Polícia Federal (APF) Juliano Costenaro, ela relata – ainda que de forma incompleta e imprecisa – a desobediência oficializada a uma ordem de um desembargador.

Ordem que, como se sabe, pode-se discordar e discutir, mas no Estado Democrático de Direito deve ser cumprida. Mas, domingo, na chamada República de Curitiba, não foi. Por interferência de um juiz e dois desembargadores, pelo menos dois delegados da Polícia Federal deixaram de executar o que outro desembargador mandou. Um estava no plantão da superintendência – na PF chamado de “delegado de sobreaviso: Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia; outro, chamado em casa, é o delegado regional executivo, Roberval Ré Vicaldi, segundo homem na hierarquia da PF no Paraná. Foi com ele que deputados e advogados falaram o tempo todo. Mas sua presença não consta do registro transcrito acima.

Na ocorrência não consta sequer a presença dos deputados federais do PT – Paulo Pimenta (RS) e Wadih Damous (RJ) – tampouco dos dois advogados de Lula: o constitucionalista Manoel Caetano e Luiz Carlos da Rocha, o Rochinha. É como se não tivessem estado na SR/DPF/PR.

Chegaram à frente do prédio no bairro de Santa Cândida por volta de 8h45. Até ultrapassarem o portão e ingressarem no saguão do prédio, já eram por volta de 09h15. Foram recebidos pelo agente que assina a ocorrência que ignorou suas presenças: Costenaro: “um baixinho e loiro”, na descrição de dois dos presentes. Tinha ao lado outro agente, provavelmente, Paulão. Levavam a decisão do desembargador Rogério Favreto no papel. No celular de um dos advogados, a cópia do Alvará de Soltura. Recorrendo ao computador do plantão, o agente localizou a decisão no e-mail.

Ao que consta, nos plantões da Superintendência, diante da chegada de um Alvará de Soltura, agentes comunicam por telefone ao delegado de sobreaviso e este determina a execução. Sem pestanejar. Sem discutir. Não foi o que aconteceu.

Costenaro alegou a necessidade de um delegado. Na superintendência, como é costume, não havia delegado. Eles ficam em casa, de sobreaviso. Daí a forma como são tratados.

Como narra a ocorrência, naquele dia era Flúvio Garcia. Foi avisado em casa, tal como o APF Chastallo, chefe do núcleo de operações, que chegou em seguida.

Consta, dentro da PF, que Flúvio também foi para lá. Mas os deputados e advogados não se recordam de terem sido apresentados a ele. Insistem que falaram apenas com Roberval, o delegado regional executivo, que chegou depois de 10h30. Chastallo sim, estava e depois ficou sempre ao lado de Roberval. Afinal, cuida também da carceragem.

Antes de tomar qualquer atitude, Roberval alegou necessidade de ler a decisão – são cerca de nove laudas -. e se retirou. Paralelamente, falou ao telefone com o superintendente, Maurício Valeixo, fora da cidade naquele final de semana, e com o delegado regional de Combate ao Crime Organizado, Igor Romário de Paulo. Este é considerado o chefe da Lava Jato que restou em Curitiba.

A decisão do desembargador foi oficialmente conhecida, pelo menos, às 9h46. Mas não a cumpriram. Afinal, tratava-se do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um condenado e preso em processo discutível, sem provas, que todos imaginavam apagar trancafiando-o em uma sala de 15 metros quadrados, mas continua mais forte que seus opositores. Este sim, amedrontados.

Como ficou ainda mais evidente neste final de semana, ele é um troféu da Operação Lava Jato e da República de Curitiba. Das duas a superintendência faz parte. Logo, a cumprir uma decisão judicial e perder o troféu, buscou-se a forma de mantê-lo ali. Atropelando o Alvará assinado pelo desembargador Favreto.

Deputados e advogados ficaram do lado de fora até serem chamados à sala de Roberval. Estavam ali quando Moro ligou pela primeira vez. Ouviram o policial dizer ao juiz que teria que cumprir a ordem. Só depois de meio dia é que a “decisão” de Moro chegou à superintendência. Ainda assim, Roberval, ao telefone com o juiz, explicou que seu despacho bão o desobrigaria de cumprir a decisão do desembargador. Não era uma contraordem.

Não há explicações de como ele soube da decisão. Não foi pela imprensa, pois a primeira a divulgar a notícia foi Mônica Bérgamo, na Folha de S. Paulo. Exatamente às 12h02. Três minutos antes de o “despacho” do juiz de primeiro grau ter sido registrado no sistema. Certamente foi avisado por alguém da chamada República de Curitiba. Moro está de férias. Afastado de suas funções. Mas, curiosamente, o despacho estava assinado como se ele estivesse ali, em Curitiba, no exercício de sua função (como mostra a reprodução ao lado).

Até o meio dia, não havia impasse jurídico algum. Mas sim uma ordem de um tribunal a ser cumprida. Supostamente, dois delegados estavam na Superintendência e não a executaram. Sem qualquer respaldo legal.

Poderiam, teoricamente, questionar a juíza responsável pelo caso, Carolina Mouro Lebbos, da 12ª Vara Federal, que cuida da execução penal. Afinal, a decisão do desembargador estava relacionada ao processo que ela cuida. Mas isto não foi feito. Seu nome sequer foi lembrado. Não se falou dela. Foram buscar o apoio de Moro que se socorreu com o desembargador, seu antigo amigo, João Pedro Gebran Neto.

Moro, ao saber pelo delegado que ele cumpriria a ordem mesmo com o despacho que ele mandou de férias, sugeriu então que Roberval ligasse para Gebran Neto. O delegado tentou. No mínimo duas vezes. Não conseguiu. Neste meio tempo, falou com o desembargador Favreto. Ouviu dele que deveria cumprir a decisão. Pouco depois, chegou a nova determinação do desembargador de plantão em Porto Alegre. Desautorizava a interferência de Moro e determinava a execução do Alvará de Soltura, imediatamente.

Mas surgiu a ligação de Gebran, desaconselhando Roberval a tomar qualquer atitude. Anunciou que avocaria o processo para ver o que fazer. Foi quando despachou falando da incompetência do desembargador no plantão para decidir sobre o caso. Ainda que não tenha poderes para, monocraticamente, derrubar decisão de um colega. Se impôs em um plantão para o qual não estava designado. Chocou-se com o colega no mesmo nível de igualdade.

Depois, recebeu o respaldo do presidente do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, que também não detêm poderes para dirimir conflito de competência entre dois colegas. Caberia acionar sim o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no qual está de plantão, durante o recesso, sua presidente, Laurita Vaz.

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