Os bilionários irmãos Marinho mandam “recado” a Biden: não mexa com a fortuna dos ricos. Por J. Carlos de Assis

Atualizado em 30 de abril de 2021 às 18:35
Joe Biden

Joe Biden encontrou um adversário à altura no mundo. Não é a Rússia. Não é a China. São os irmãos Marinho. No editorial de O Globo desta sexta-feira, eles atacam o programa econômico de Biden com um verdadeiro libelo ideológico para proteção dos milionários norte-americanos, chegando a citar um estudo de uma universidade de segunda linha pelo prognóstico “sombrio” de que ele reduzirá o PIB dos Estados Unidos em 0,8 até 2050!

É espantosa a pretensão dos herdeiros do Globo no seu ataque ao presidente norte-americano que está sinalizando a mais radical e progressista transformação econômica no Ocidente desde o New Deal de seu antecessor Franklin Roosevelt. Levados às cordas por Bolsonaro no seu afã de representar a extrema direita no Brasil, no lugar deles, tentam reocupar agora, no plano internacional, o espaço que lhes parecia tranquilo no plano interno.

O programa de Biden não tem nada de radical. Ele segue a trilha do New Deal com extremo equilíbrio. Tem a prioridade que não poderia ficar de fora, o combate à pandemia. Tem os fantásticos investimentos em energia limpa, que é o único recurso do país para não ficar na rabeira da China na competição tecnológica no mundo. E tem um surpreendente projeto educacional cobrindo um atraso que envergonha os Estados Unidos.

Não é um programa trilionário, como querem os Marinho. É um programa hexatrilionário, ou seja, de 6 trilhões de dólares, ainda no começo e, portanto, aberto a outras iniciativas. Contudo, o aspecto fiscal pelo lado do gasto não ocupa o tempo do Globo. A preocupação real dele é proteger a renda dos milionários, que Biden quer tributar, invertendo a tendência infame herdada de Ronald Reagan.

Diga-se que essa tributação nem precisa ir muito além da simbologia e dos valores morais. A verdadeira esquerda norte-americana defende Finanças Funcionais, ou Teoria Monetária Moderna, segundo a qual um Estado que emite a própria moeda não tem limite de emissão até esgotar a capacidade ociosa. Isso, sem inflação. Não há nenhuma dúvida de que os Estados Unidos dispõem de uma gigantesca capacidade ociosa, como país da produção.

Pode-se argumentar que o limite à emissão seja de ordem cambial. Isso não se aplica aos Estados Unidos, que ainda detêm a principal moeda de transações e de reservas do mundo. Assim como não se aplica à China, detentora de um colchão de reservas de mais de 3 trilhões de dólares. Justamente por isso, a China investe barbaramente sem preocupações fiscais pelo lado da receita.

Se tivéssemos política econômica digna do nome, o Brasil também poderia investir mais sem cobertura fiscal, ancorando-se em seu considerável colchão de reservas, que está sendo dilapidado sem política consistente. Isso não se confunde com usar as reservas para investir internamente. As reservas são em dólares, e não faria sentido internalizá-las a não ser em situação de desequilíbrio do balanço de pagamentos.

O fato é que grande parte dos investimentos do II Plano Nacional de Desenvolvimento, da ditadura militar, foi feita sem cobertura fiscal, tendo legado um conjunto formidável de obras de infraestrutura em todo o país, de ferrovias, grandes rodovias e hidrelétricas. Houve inflação a partir da segunda metade dos anos 70, mas boa parte dessa inflação se deveu a uma prematura retirada do controle de preços pelo liberal Mário Henrique Simonsen.

Biden está numa confortável posição para gastar, sem outros limites, a não ser a capacidade de produção da economia norte-americana. Não precisa temer a inflação. A escalada inflacionária no mundo, a partir de fins dos anos 60, se deveu a desequilíbrios reais da economia dos Estados Unidos, devidos a pressões de demanda de matérias primas e insumos, com que o país alimentava a guerra do Vietnã. Não foi por causa de emissão monetária.

O temor explícito dos Marinhos em seu editorial é que Biden faça escola no mundo ocidental, enterrando de vez o neoliberalismo e o famigerado consenso de Washington. Isso deixaria os ricos do mundo muito incomodados, entre eles os donos bilionários do Globo.

Uma forte emissão monetária para financiar investimentos e gastos públicos saudáveis – como os de educação, de saúde e de infraestrutura -, mesmo que não financiados por tributos diretos, pressionam para baixo as taxas de juros e deixam realmente desapontados os muito ricos.

Até que ponto o Brasil pode ser arrastado positivamente pela onda Biden? No atual governo não há esperança. A grande tentativa de desmoralização do New Deal pelo ângulo monetário foi feita por Milton Friedman, que inventou aquela história do helicóptero jogando dinheiro para o povo descolado da produção. Milton Friedman, como se sabe, foi o mentor de Paulo Guedes em economia, e Paulo Guedes domina a alma vazia de Bolsonaro. Por aí, portanto, não se pode esperar nada. A esperança é 2022.