Os catalães não sabem na verdade se querem se separar ou não

Atualizado em 13 de fevereiro de 2013 às 12:59

O movimento separatista está cheio de contradições.

Protesto dos catalães pela separação
Protesto dos catalães pela separação

DE GRANADA, ESPANHA

Há alguns dias o Rei da Espanha aguentou, por vários minutos, uma devastadora vaia em um ginásio esportivo lotado. Nas arquibancadas, entre gritos de “fora”, viam-se bandeiras catalãs e cartazes em prol da libertação de prisioneiros vinculados ao ETA.

Isso aconteceu na famosa Buesa Arena, em Vitória, no País Basco, durante a final da Copa do Rei de Basquete entre Barcelona e Valência. Milhões de pessoas país afora assistiram ao jogo. E à humilhação.

Para os que participaram da desmoralização em rede nacional, passa despercebido que este mesmo Rei, no passado, teve todo o poder nas mãos após a morte do ditador Franco, mas optou por dar passagem a um governo democrático. Sua postura praticamente evitou que a Espanha embarcasse em outra ditadura.

Vaiar D. Juan Carlos, embora seja fácil, deixa clara a grave separação entre a atual geração espanhola e o projeto político fabricado na transição para a democracia na década de setenta. E este descompasso fica ainda mais intenso diante do discurso separatista que ganha força na Catalunha.

O debate territorial sempre esteve na ordem do dia no cotidiano político espanhol. Entretanto, tem adquirido nos últimos tempos um tom desafiador proveniente das forças políticas à frente do governo catalão, Convergência e União e Esquerda Republicana de Catalunha.

Basicamente, o embate gira em torno do direito de decisão do povo catalão sobre o seu destino político e do formato da relação com o Estado espanhol. Quanto às propostas, não há unanimidade a favor da independência. Certos partidos políticos, como o Partido Socialista, sugerem uma alternativa federalista, em que as comunidades autônomas não possam se separar. Outrs, como o Partido Popular, negam apoio a qualquer ideia que questione a unidade da Espanha.

Por outro lado, a possibilidade de realização de um referendo esbarra nas leis vigentes. Dificilmente qualquer proposta nesse sentido deixaria de passar pelas mãos do governo. E fora da Catalunha não há condições políticas para seu sucesso. É aí que o debate se acirra e as posições assumem ares de confronto.

Apesar do respeito às tradições históricas regionais, a verdade é que duas inconsistências tornam a reivindicação catalã um exemplo autêntico do mais puro “consumismo político”. Ou seja, uma demonstração da capacidade de invenção, pela classe política, de ideias e antagonismos impróprios e desnecessários para a sociedade. Enquanto uma das inconsistências aponta para dentro, a outra aponta para fora.

A primeira diz respeito ao atual contexto interno na Espanha e também na Catalunha. A crise social agravada pelo pacote econômico de austeridade tem provocado grande insatisfação na sociedade espanhola como um todo. A taxa de desemprego é estratosférica e não dá sinais, até o momento, de reversão.

A contenção de gastos associada à falta de incentivo à economia gera um contexto pouco compreendido pela população. A impaciência transforma-se em frustração, e daí, a insatisfação social torna-se presa fácil de um discurso simplório e apaixonado como o do separatismo. Trata-se da velha tática de “inventar um inimigo”.

Prova disso é o fato de que a tradicional celebração cívica de 11 de setembro de 2012, que reuniu mais de um milhão de pessoas nas ruas de Barcelona,embora tivesse como mote o discurso separatista, foi agitada não só por independentistas catalães, mas cidadãos sem compromisso com esta idéia, que decidiram sair às ruas por ver nessa manifestação uma forma de protestar contra o governo.

Além disso, as eleições regionais do último dia 25 de novembro demonstraram que a mensagem que vem da sociedade catalã é bastante complexa, e dificilmente aponta, de forma clara e generalizada, para o separatismo. Nem os catalães sabem se querem se separar ou não.

A segunda inconsistência diz respeito à integração na União Europeia. A independência da Catalunha levaria a seu desencaixe do bloco europeu. E  isso certamente pesa para a população, pois, embora a crise tenha trazido conseqüências reais, desagradáveis e dolorosas, há certa consciência de que estar dentro da Europa é melhor do que estar fora dela, ainda que vinculada à Espanha.

Soberania nacional, na Europa, é um conceito do passado. A independência da Catalunha a desvincularia do Estado espanhol, para fazê-la perseguir a meta de vincular-se à União Europeia.

Caso se separem, os catalães irão recuperar a soberania para simplesmente cedê-la novamente. Em outras palavras,ainda que vençam essa luta, tudo o que conseguirão é trocar seis por meia dúzia.