Os clichês criminosos do caso do menino Joaquim

Atualizado em 17 de outubro de 2014 às 17:37
Joaquim
Joaquim

Diante da morte de um menino de 3 anos, que teria sido assassinado, qualquer palavra de indignação é um clichê demasiadamente óbvio.

Quando vejo fatos como esse e vejo a facilidade e a rapidez com que se chega a um veredicto sobre a existência e autoria de um crime, é a lição de Evandro Lins e Silva que me vem à cabeça. Além de Ministro do Supremo Tribunal Federal, aposentado compulsoriamente pelo regime militar, Evandro foi um dos maiores advogados brasileiros. Dizia que é preciso sempre ter em mente que os acusados “podem ser inocentes ou vítimas de armadilhas que o destino tece e prepara do modo mais imprevisto e desgraçado.”

Assim que vimos as matérias na mídia, tiramos rapidamente nossas impressões, interpretando sempre os fatos da pior forma possível para o suspeito. Invariavelmente, essas impressões são exatamente as que o delegado ou promotor quer que tiremos.

O garoto sumiu de sua casa no dia 5 de novembro e imediatamente surgiram as suspeitas de que teria ocorrido assassinato cometido pela mãe e pelo padrasto do garoto. No dia seguinte, o promotor já havia requerido a prisão temporária dos dois. Quando foi encontrado o corpo, no dia 10, o promotor disse: “Temos agora certeza de que foi um homicídio”.

Tudo parecia certo e a investigação parecia uma tourada, cujo final já se sabe de antemão.

Pois bem, hoje vem a notícia de que o garoto pode ter morrido por erro na aplicação de insulina e o promotor admite essa possibilidade. A mudança no quadro é gritante. Se a morte decorreu de um erro, teria ocorrido homicídio culposo e ocultação de cadáver, e pelo primeiro crime a mãe, se autora do crime foi, poderia nem receber pena, por aplicação de um perdão previsto em lei.

Não me aventuro a dar palpites sobre qual crime teria ocorrido. A questão que me move é a facilidade com que se decreta a prisão provisória no Brasil. A prisão temporária, que foi decretada contra a mãe e o padrasto, foi criada por medida provisória, de iniciativa do então presidente José Sarney, e nada mais foi que a consagração da prisão por averiguações, que foi proibida pela Constituição de 1988. No fundo, os dois estão presos para que se averigue a culpa dos dois.

Insurjo-me contra essa prisão porque, a rigor, ela não é necessária, já que a investigação pode existir sem a prisão e ela pode gerar um dano imensurável.

O casal foi colocado em um camburão e a turba vociferava contra os dois. E se ficar provado que não houve assassinato?

É possível imaginar a dor de uma mãe que perdeu o filho em morte trágica e ainda é presa acusada tê-lo matado?

Notem que a certeza que o promotor disse ter não é diferente da certeza que tinham os delegados do caso Escola Base e dos acusados da morte da garota Tayná.

A certeza é apenas um estado mental, nada tem a ver com a consistência das provas. Não por acaso, Fernando Pessoa, por seu heterônimo Álvaro de Campos, disse: “Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!”

Todos os erros judiciários foram cometidos porque alguém tinha certeza de alguma coisa. Em muitos casos, a prisão açodada nada mais significa que acrescentar à dor do crime a dor de uma prisão injusta. Quis evitar o clichê dos lamentos pela morte do garoto, mas não consigo fugir do clichê de dizer que, em termos de processo penal, a pressa é inimiga da perfeição.