Os comandantes da venda da reeleição de FHC estão de volta com Temer. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 4 de junho de 2016 às 10:52

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Ao iniciar esta série de reportagens, em janeiro deste ano, a emenda que alterou a Constituição e permitiu a reeleição de Fernando Henrique Cardoso era um assunto que, para alguns, deveria estar confinada aos livros de história. Mas eis que, trazido o assunto à baila, começaram a surgir notícias inéditas.

A emenda foi comprada, com a participação de um grupo de grandes empresários, entre eles o dono do Banco Itaú, Olavo Setúbal, segundo denunciou o ex-deputado Pedro Corrêa, um dos líderes da Câmara dos Deputados na época, hoje prisioneiro da Operação Lava-Jato.

Dezessete anos depois, os vencedores de então, que alteraram a Constituição e instituíram a reeleição, voltaram ao centro do poder, ao aprovar no mesmo Congresso Nacional o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Michel Temer é um caso à parte. Foi governo sob Fernando Henrique Cardoso e também sob Lula e Dilma, mas, antes de assumir a presidência da República, o grande salto que havia dado na política foi a eleição para a presidente da Câmara dos Deputados em 1997. Para chegar lá, o compromisso que assumiu foi aprovar a emenda da reeleição.

E ele pagou a fatura logo no começo. Um dos seus primeiros atos na presidência da Câmara foi colocar a emenda para votação em segundo turno – ela há havia sido aprovada na gestão de Luís Eduardo Magalhães.

Confirmada em segundo turno, a emenda foi para o Senado, onde também foi votada duas vezes. No dia da aprovação em definitivo, com a consequente promulgação, Temer e o senador Antônio Carlos Magalhaes, presidente do Senado, lideraram uma comitiva de líderes partidários que atravessou a pé a Praça dos Três Poderes e foi até o Palácio do Planalto para entregar uma cópia da emenda.

Era um gesto simbólico, já que, em casos de emendas constitucionais, o presidente da República não tem papel algum.  Não sanciona nem veta, apenas cumpre. Com esse gesto, entretanto, Temer e ACM pareciam dizer: missão cumprida.

ACM morreu e Temer chegou ao topo da política brasileira. Com ele, outros comandantes da emenda que traz o carimbo “comprada” também chegaram lá – ou voltaram ao poder com o impeachment de Dilma.

Mendonça Filho, o autor do projeto de emenda constitucional, hoje é ministro da Educação, e Aloysio Nunes Ferreira, na época deputado pelo PMDB, foi indicado líder do governo Michel Temer no Senado.

Geddel Vieira Lima, ministro-chefe da Secretaria de Governo, foi um dos articuladores da aprovação da emenda na Câmara dos Deputados, que teve o apoio de Henrique Alves, atual ministro do Turismo, e Sarney Filho, ministro do Meio Ambiente.

No Senado, um dos defensores da emenda foi José Serra, atual ministro das Relações Exteriores. No dia da votação da emenda que permitiu a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, Serra foi à tribuna rebater a denúncia de que houve compra de votos.

“Se algum senador sabe de alguma compra de votos no Senado, deve se manifestar agora”, disse, em tom de desafio. Ninguém se manifestou.

Naqueles dias, até Fernando Henrique Cardoso admitia o mercado de votos no Congresso. Ele tinha o costume de registrar um diário, num gravadorzinho, com mensagens que eram transcritas por assessores.

Os registros estão sendo transformados em livro. No segundo volume de “Diários da Presidência – 1997-1998”, que acaba de lançar, Fernando Henrique admite que houve compra de votos, mas faz a referência de maneira vaga e terceiriza responsabilidades. “Certamente não há envolvimento do governo federal”, escreveu.

“Renunciaram os dois deputados mais acusados na questão do Acre – diz ele –, boatos de que haveria gravações sobre Roraima também, até pode ser, porque essa gente toda é mais ou menos equivalente nas práticas de mercadejar votos”, escreve. Na narrativa de Fernando Henrique Cardoso, nenhuma referência Olavo Setúbal.

“Certamente não há envolvimento do governo federal (e Olavo Setúbal?), mas há envolvimento de um lado e do outro, de partidários da tese da reeleição e contrários nos estados referidos. Na verdade, também do setor malufista. Dizem até que houve mais barganha pelo lado do Maluf”, escreveu. “No fundo, são alguns malandros que ficam sujando os nomes das instituições”, registrou.

Nas gravações do Senhor X (em seu Diário, Fernando Henrique já sabia que era Narciso Mendes, “um bandido”), que escancaram o esquema da compra de votos, outro deputado influente do governo Temer, linha de frente do impeachment, aparece como aliciador de deputados para voto favorável à emenda da reeleição.

Trata-se de Pauderney Avelino, do DEM do Amazonas. Em gravações clandestinas bem mais recentes, do ex-senador Sérgio Machado com Renan Calheiros, Pauderney aparece de novo. Machado, também ele um expoente da emenda da reeleição, na época senador pelo PSDB, hoje enroladíssimo na Lava Jato, está gravando a conversa, sem que Renan saiba. Machado comenta, a propósito do destaque que a mídia dá à articulação de Pauderney Avelino pela impeachment de Dilma:

— Como que você tem cara de pau, Renan, aquele cara Pauderney que agora virou herói. Um cara mais corrupto que aquele não existe, Pauderney Avelino.

Renan assente:

— Pauderney Avelino…

A escandalosa aprovação da emenda da reeleição não é o único traço que distingue os novos governantes do Brasil. A relação privilegiada com a Rede Globo de Televisão também é digna de registro.

Um deputado federal me contou que, quando da cassação do deputado Sérgio Naya, estava presente numa reunião com Temer, então presidente da Câmara, e Geddel Vieira Lima, líder do governo.

Ninguém defendia Naya, naqueles dias pós-desabamento de um prédio construído por ele no Rio de Janeiro, mas alguns diziam que não havia um fato ligado ao mandato para justificar a cassação. Temer e Geddel encerraram a discussão com uma frase definitiva, dita por um deles, o deputado não lembra exatamente quem, pois os dois falavam a mesma coisa:

— Nós vamos cassar sim, e vamos cassar porque a Globo quer.

A Globo já mantinha um funcionário em Brasília para cuidar exclusivamente do Congresso, diretor de relações institucionais (lobista). Foi esse diretor que, segundo o mesmo deputado, vetou em 1995 a nomeação de um deputado evangélico do PMDB para presidir a Comissão de Comunicação da Câmara.

“A Globo temia que o deputado fizesse o jogo do Edir Macedo (bispo da Universal do Reino de Deus, dono da Record, em grande ascensão no mercado de televisão da época)”, conta o deputado. Fez-se mais uma vez a vontade da família Marinho.

Dois anos depois, a Câmara dos Deputados votou a Lei Eleitoral, a mesma em vigor, e, sob a liderança de Temer e Geddel, incluiu um artigo a pedido do lobista da Globo: as TVs ganharam crédito tributário para compensar o horário eleitoral.

De gratuito, o horário eleitoral só tem o nome: quem paga a conta é o cidadão brasileiro, na forma de renúncia fiscal por parte do governo.

Desde que a Lei Eleitoral entrou em vigor, o montante de que as empresas de rádio e televisão, concessionárias de um serviço público, desfrutaram, na forma de benefício fiscal, passa da casa dos dois bilhões de reais. Tudo a ver.