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Os desafios de Azevêdo à frente da OMC

Relançar a liberalização do comércio mundial e reavivar os pactos multilaterais estão no topo da agenda.

Especialistas afirmam que Azevêdo precisa restaurar a prioridade do multilateralismo no comércio mundial

O texto abaixo foi publicado originalmente na BBC Brasil.

Eleito nesta terça-feirao novo diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o brasileiro Roberto Azevêdo terá como principais desafios relançar a liberalização do comércio mundial e reavivar os pactos multilaterais que vêm perdendo fôlego, segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil.

Azevêdo assume o cargo em 1° de setembro e já em dezembro comandará uma reunião ministerial da OMC em Bali, Indonésia, que tem como principal objetivo o avanço nas negociações da Rodada Doha, criada para liberalizar o comércio mundial. Mas o ceticismo em torno da Rodada é grande.

“Ninguém mais acredita que é possível, após 12 anos de negociações, obter um acordo amplo nas negociações da Rodada Doha”, diz à BBC Brasil Sébastien Jean, diretor do Centro francês de Pesquisas sobre Economia Internacional (Cepii).

“Não há saída para isso atualmente. A discussão é saber se a rodada atual deve ser desenterrada ou se as discussões devem ser relançadas com novas bases”, afirma Jean-Marc Siroën, professor de economia internacional na Universidade Paris-Dauphine.

O próprio Azevêdo reconhece que o “sistema comercial está enfraquecido pela completa paralisia” das negociações de Doha, iniciadas em 2001 para facilitar o comércio mundial, mas emperradas desde 2008 devido às divergências em relação à questão agrícola.

Países em desenvolvimento reivindicam maior acesso de seus produtos agrícolas nos países ricos e condicionam a isso qualquer outra discussão – como a abertura de seus mercados aos produtos industriais dos países desenvolvidos.

Para alguns dos especialistas, a saída para o impasse é reconhecer o seu fracasso e selar um acordo mais modesto, com menos trocas de concessões do que as previstas inicialmente.

“O primeiro desafio do novo diretor-geral será ajudar os países membros da OMC a aceitar que chegou o momento de renunciar a certas ambições da Rodada Doha”, diz o diretor do Cepii.

Ele e Siroën, da Universidade Paris-Dauphine, ressaltam ainda que mudanças no processo de negociações realizadas pela OMC também são um importante desafio para Azevêdo.

Nas negociações de uma rodada comercial, nada pode ser concluído enquanto não for obtido um acordo em relação à totalidade dos assuntos discutidos. É o chamado princípio do “compromisso único”.

“Esse princípio tende a enfraquecer as negociações, fixando objetivos impossíveis de serem atingidos”, afirma Jean, acrescentando que a OMC deve modernizar seu funcionamento.

“Focar as discussões em alguns temas em vez de abranger inúmeras áreas ao mesmo tempo pode facilitar as discussões comerciais. Países que chegarem a um acordo sobre determinado tema poderiam concluir uma negociação no âmbito da OMC”, diz Siroën.

Ele cita como exemplo dois acordos já realizados nessas condições, um deles relativo à aviação civil e outro sobre mercados públicos.

“A OMC teria diferentes velocidades e poderia generalizar acordos plurilaterais (que envolvem apenas alguns dos seus 159 países-membros). Outros países, claro, poderiam se juntar depois ao grupo”, afirma Siroën. “Esse tipo de sistema seria uma porta de saída e permitiria relançar as negociações do ciclo de Doha.”

Outro desafio que o brasileiro terá de enfrentar na OMC é a multiplicação de acordos bilaterais em vigor – já são mais de 300 -, causada pela falta de pactos multilaterais. A União Europeia, por exemplo, discute atualmente acordos com Japão e Índia e Estados Unidos.

“O novo diretor-geral precisa restaurar a prioridade do multilateralismo”, diz Julius Sen, especialista em OMC na London School of Economics.

“Os acordos bilaterais têm uma lógica oposta à da OMC. O acordo comercial entre a União Europeia e os EUA enterrará de vez a Rodada Doha”, afirma o professor Siroën.

Azevêdo, em entrevista à BBC Brasil em abril passado, declarou que o sistema multilateral de comércio “está em uma encruzilhada e corre o risco de perder relevância”.

O protecionismo comercial, que tende a aumentar em épocas de crise econômica, também é outro importante entrave que deve ser enfrentado por Azevêdo.

O francês Pascal Lamy, diretor-geral da OMC nos últimos oito anos e que ocupará o cargo até agosto, ressaltou inúmeras vezes que as barreiras protecionistas estariam aumentando, com impacto negativo para o comércio mundial.

Em entrevista ao francês  Journal du Dimanche no último domingo, Lamy afirmou que “o protecionismo não protege mais e é melhor importar para exportar melhor”.

O Brasil também foi acusado de protecionismo após ter aumentado o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) dos carros importados

Diario do Centro do Mundo

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