Os discursos no Senado provam que Collor e Aécio são, como se suspeitava, a mesma pessoa. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 12 de maio de 2016 às 0:55
"já te disse que você está cheiroso hoje?"
“já te disse que você está cheiroso hoje?”

 

Aécio e Collor foram os destaques, cada um à sua maneira inconfundível, na tribuna do Senado na sessão que discute a admissibilidade do impeachment.

As semelhanças entre eles são inescapáveis. O estilo, o aplomb, o charme de homens do mundo. São coroas enxutos, como diria sua tia, inteiraços, como diria seu tio, eternamente exaltados, bons de gogó, o cabelo tingido de prateado porque sabem que acaju não rola.

Repórteres que estão cobrindo essas horas tragicômicas garantem que o plenário silenciou para ouvi-los.

Ambos adotaram um tom revanchista, rancoroso e de “eu bem que avisei”. O autor do texto deve ser o mesmo. Dois derrotados numa hora de ilusão de vitória, dando lições à posteridade.

Como estamos no terreno do surrealismo, passa por normal que sujeitos com uma fica mais suja que pau de galinheiro, metidos na Lava Jato, com uma lista de denúncias em seus estados, dêem aulas de ética e administração pública.

Aécio elencou todas as desgraças da economia, babando de contentamento ao dar más notícias e atribuindo-as aos “governos populistas”.

“Nada disso começou agora. Disputei as eleições em 2014. Tentamos estabelecer um debate altivo e republicano [Risos]. Falávamos de queda do PIB, éramos [chamados de] derrotistas.”, declarou.

“Eu me lembro que, nos últimos debates, eu alertava a senhora presidente da república para as pedaladas fiscais. Ela, por não compreender aquilo naquele instante, sequer respondeu”.

Citou no final o avô, Tancredo Neves, numa frase particularmente piegas sobre o povo brasileiro. Pobre Tancredo, que na madrugada de 2 de abril de 1964 xingou o presidente do Senado, Auro Moura Andrade, de “canalha” quando este declarou vaga a presidência.

Cinquenta e dois anos depois, o neto celebra o golpe, achando, mais uma vez, que vai se dar bem quando, na verdade, ele e seu partido serão sócios minoritários do PMDB numa fraude que vai acabar num vale de lágrimas.

Collor, um dos mais aguardados da noite, não decepcionou. Em 1992, seu mandato foi interrompido pela Casa onde hoje dá expediente. O PT foi um dos verdugos.

Criticou a ex-aliada Dilma Rousseff, fez várias auto referências a seu impeachment e lembrou que o país “jamais passou por uma confluência tão clara por crises na política e na moralidade”.

Parêntese: o sujeito confiscou a poupança. A POUPANÇA. Fecha parêntese.

“Chegamos às ruínas de um governo e de um país. Todas as tragédias se reduzem a uma mesma tragédia. Constatamos que o maior crime de responsabilidade está na irresponsabilidade pelo desleixo com a política, na irresponsabilidade pelo aparelhamento desenfreado do estado que o torna ineficaz”, falou.

E então, como o colega de apoplexia Aécio Neves, apontou a razão de todo o problema: ele deu vários toques, mas ninguém deu bola.

“Não foi por falta de aviso. Falei dos erros na economia, da falta de diálogo com o parlamento. Não me escutaram. Ouvidos de mercador. Relegaram minha experiência”, lamentou. “A história me reservou esse momento”.

O patético supremo é o autoengano da dupla — e dos trios, quartetos e quadrilhas de senadores. Tremendos pilantras, rematados golpistas, chaves de cadeia posando como tribunos romanos para multidões de trouxas.

Separados por uma década, Fernando Collor (66 anos) e Aécio Neves curtem seu brilho fugaz na longa jornada noite adentro da democracia dando uma lição de picaretagem. Esse país, o deles, acabou.