Os esquadrões da morte e o fuzilamento dos jovens no Rio. Por Marcos Sacramento

Atualizado em 6 de dezembro de 2015 às 21:09
A mãe de uma das vítimas da chacina de Costa Barros
A mãe de uma das vítimas da chacina de Costa Barros

 

Há uma semelhança entre o fuzilamento de cinco rapazes em Costa Barros, zona norte do Rio de Janeiro, e o assassinato que marcou o surgimento da Scuderie Le Cocq, grupo de extermínio formado por policiais com atuação entre os anos 60 e início de 2000.

Nos anos 60, o proxeneta e achacador de bicheiros Cara de Cavalo foi abatido por 52 disparos como vingança pela morte do detetive Milton Le Cocq, após um cerco que envolveu mais de 2 mil policiais de quatro estados.

Os ares cinematográficos da ação foram destaque no noticiário e motivo de orgulho para os autores da emboscada, que saíram prestigiados pela sociedade da época. “Então todo mundo atirou no bandido. Mais de cem tiros. O umbigo do cara ficou colado na parede”, disse o delegado Sivuca, que mais tarde seria eleito deputado estadual.

Cinco décadas depois, um grupo de jovens negros foi executado com 111 disparos.  Ao contrário de Cara de Cavalo, executado depois de matar o detetive Le Cocq durante uma troca de tiros, os rapazes foram mortos sem nenhuma justificativa.

Como os vingadores do detetive Le Cocq, os quatro policiais militares acusados de fuzilar os cincos jovens no subúrbio do Rio de Janeiro teriam comemorado após descarregar suas armas.

Porém, diferentemente da ação que fundou a Scuderie Le Cocq, o excesso de disparos pode ter sido a ruína dos soldados Thiago Resende Viana Barbosa e Antônio Carlos Gonçalves Filho, do sargento Márcio Darcy Alves dos Santos e do cabo Fabio Pizza Oliveira da Silva.

Se tivessem apertado os gatilhos com parcimônia, seria possível alegar que as mortes ocorreram em um “auto de resistência” e escapar da prisão e expulsão dos quadros da polícia.

As consequências da fuzilaria, porém, têm tudo para ficar só por isso mesmo, por causa da forma como as autoridades trataram o assunto. O governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, deu a resposta óbvia de praxe.

“É abominável uma atitude como essa de pessoas treinadas para levar a paz. Cinquenta tiros em um automóvel não é normal. O Estado não vai tolerar isso. Os policiais vão ter o direito de se explicar, mas, se erraram, serão punidos. Determinei investigação rigorosa e rápida. A gente tem feito todos os esforços para acabar com essa chaga aqui no Rio. Se tiver de expulsar os policiais, vamos expulsar, como já expulsamos 123 este ano”, disse o governador.

O governo federal também ficou quieto e não emitiu sequer uma nota por meio do Ministério de Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos.

Até agora não houve nenhum sinal de medida concreta, como mudança na doutrina das polícias ou nos procedimentos quanto ao uso das armas de fogo, nada que de fato possa evitar que histórias como a que vitimou Roberto de Souza Penha, Carlos Eduardo da Silva de Souza, Wilton Esteves Domingos Junior, Cleiton Correa de Souza e Wesley Castro Rodrigues voltem a acontecer.

No passado, os mais de 100 disparos contra o Cara de Cavalo foram o início de uma jornada de extermínio e abusos de direitos humanos. A chacina de Costa Barros, com a imagem de um carro perfurado por balas digna dos filmes de mafiosos, poderia fazer o caminho inverso e iniciar um movimento pelo respeito à vida dos jovens negros.

Mas tudo indica que será só mais um assassinato de jovens negros e pobres, que ainda por cima vai servir de lição para que os policiais criminosos sejam mais discretos na hora de praticar o extermínio.