Os ETs de Miguel Falabella em “Pé na Cova”

Atualizado em 17 de outubro de 2014 às 17:20
Pé na Cova
Pé na Cova

 

Os voos da Azul têm uma vantagem e uma desvantagem em matéria de mitigar o desconforto a bordo. A vantagem: 40 canais de TV, alguns ao vivo. A desvantagem: canais de TV aberta.

Passava “Pé na Cova”, o seriado de Miguel Falabella sobre uma família que toca uma funerária num subúrbio carioca. O protagonista, o coveiro Ruço, é interpretado por Falabella. Marília Pera faz sua mulher Darlene, maquiadora de cadáveres.

Numa entrevista ao UOL, Falabella afirmou que achava que os “pobres se divertem mais”, que faz televisão para o povão e que estava contente com as críticas positivas. “A classe média é que não tem dignidade, ela ainda está ligada a conceitos, maneiras de ser e viver. E o rico, o rico liga o foda-se”.

Embora ele negue, “Pé na Cova” é inspirada em “A Sete Palmos”, a série da HBO sobre uma família de agentes funerários. A diferença, entre várias coisas, é que “A Sete Palmos” é boa.

Provavelmente o escritor que melhor retratou a pobreza é Charles Dickens. De família humilde, Dickens é o cronista da Revolução Industrial inglesa. Criou personagens inesquecíveis, como Oliver Twist e David Copperfield. Foi uma celebridade em seu tempo. Anthony Burgess escreveu que mundo criado por ele “é, acima de tudo, uma Londres de pesadelo, com restaurantes baratos, prisões, escritórios de advogados e tavernas escuras, enfumaçadas e frias, mas muito vivas. Os romances de Dickens são todos animados por um sentido de injustiça e do erro pessoal; ele está preocupado com os problemas do crime e da pobreza”. Gênio absoluto.

Os pobres de Falabella são os mesmos de qualquer novela e do programa “Esquenta”. Tudo é bonito e faceiro. Eles falam errado e se orgulham disso — “encicropédia”, “cororida”, “pobrema”. Seus nomes são estranhos: Alessanderson, Odete Roitman, Adenóide. Não tem nenhum José, Paulo, Antônio ou Marcelo. A lésbica se chama “Tamanco” (sacou?), papel da cantora Mart’nália. Eles cantam, conversam em voz alta e sorriem sem parar porque, afinal, a vida é uma só, ou algum chavão do tipo.

E tem a auto-referência. A atriz Giovanna Antonelli apareceu no papel dela mesma. Ela foge de um tiroteio na Avenida Brasil e vai parar no Irajá. Todos a recebem com amor e devoção. Eles se arrastam para agradá-la, embora a tratem pelo nome errado. Ela vai embora no dia seguinte, lágrimas nos olhos. Ela teve contato com aqueles seres de outro planeta e percebeu que eles eram normais. É o final de “ET”, com a diferença de que “ET” é bom.

Alguém apontou numa resenha a intenção de combater preconceitos — o casal de lésbicas, a mulher alcoólatra etc. Falabella contou que não vê televisão e que faz uma coisa diferente. Não, não faz.

Em resumo: leve um livro quando pegar um avião da Azul. Ou tome um Frontal. A vítima pode ser você.