O texto da jornalista Laura Miller, do site Salon, analisa os personagens e os fatos históricos nos quais George R RMartin, autor da série de livros “Crônicas de Gelo e Fogo”, se inspirou para compor sua trama.
Sim, “Game of Thrones” tem dragões e zumbis gelados e lobos gigantes, mas para cada espectador (ou leitor) que se interessou pela fantasia épica de George R. R. Martin graças ao elemento mágico, suspeito que haja dois de nós que estimamos o seriado e o livro por conta das intrigas políticas. Luvas de veludo escondendo adagas incrustradas de pedras preciosas, eunucos conspiradores com redes de espionagem, plebeus novos-ricos iludindo aristocratas esnobes e jogos de poder completamente inescrupulosos – como não amar?
Martin sempre deixou claro que foi tão influenciado pela história e pela ficção histórica quanto pela fantasia épica tradicional de autores como J.R.R. Tolkien. Aficionados sabem que seus romances (coletivamente chamados “Crônicas de Gelo e Fogo”) tem como base a Guerra das Rosas, um ciclo vicioso de batalhes de sucessão que aconteceram na Inglaterra do século XV. Martin listou também Maurice Druon e Thomas B. Costain como modelos, dois romancistas históricos do século 20 que escreveram sobre a França medieval, e podemos ver ecos desse material em seu universo fictício.
Os estudantes ingleses, eu imagino, ficariam surpresos caso soubessem que a política dinástica dos anos 1400s pode se transformar em algo coerente, para não dizer divertido. (“É pior do que a Guerra das Rosas”, Lucy Pevensie exclama, desalentada, quando alguém tenta lhe explicar uma parte particularmente complicada da história de Nárnia em “Príncipe Caspian”. Ela fala por muitos). Isso, no entanto, não impediu muitos romancistas e historiadores de escreverem sobre ela.
Não é que não existam personagens fabulosos e acontecimentos nefastos na Guerra das Rosas – Casamentos secretos! Monarcas malucos! Príncipes desaparecidos! Afinal das contas, um dos jogadores acabou afogado em um barril de vinho. Mas tentar decorar as árvores genealógicas, os complicados argumentos legalistas e as alianças volúveis é o suficiente para matar alguém de dor de cabeça. Também não ajuda que quase todos os homens importantes do conflito tenham o mesmo nome (Henry, Richard, Edward) ou que passaram o tempo inteiro ganhando, perdendo e recuperando títulos aristocráticos que serviam para distinguir cada um deles dos outros.
Para fãs que sentem vontade de investigar as inspirações históricas para os personagens de Martin, uma dos mais populares livros sobre o conflito é “The War of the Roses”, de Alison Weir. Algumas das referências de Martin à Guerra das Rosas são fáceis de se notar. Por exemplo, os dois clãs em “Game of Thrones”, os Lannisters e os Starks, tem nomes semelhantes aos dois ramos da Guerra das Rosas. Como os Yorks, os Starks habitam o norte, enquanto os Lannisters, como os Lancasters, são imensamente ricos.
Ambas as famílias inglesas eram ramos da Casa Plantageneta, que competiam pelo trono desde a deposição de Ricardo II em 1399 até o estabelecimento da Dinastia Tudor em 1485. Nenhum personagem de “Game of Thrones” foi inteiramente inspirado nos da Guerra das Rosas, mas Martin tomou como inspiração Eduardo IV para criar Robert Baratheon, o guerreiro grandioso, sólido e atraente que acabou se tornando um rei corpulento e indisposto. Há uma faísca de Eduardo, também, em Robb Stark, um general brilhante que, por amor, faz um casamento imprudente e desvantajoso.
Cersei Lannister, a viúva ambiciosa e dissimulada de Robert, foi inspirada em Margaret d’Anjou, esposa de Henrique VI, o rei que Eduardo IV ajudou a depor. As crises de insanidade de Henrique faziam com que ele, frequentemente, fosse incapaz de reinar, e Margaret, pertencente aos Lancaster, lutou ferozmente contra aqueles que procuravam invalidar a reivindicação e posse de sua família ao trono. Historiadores a veem como uma das principais responsáveis pela Guerra das Rosas, assim como Cersei é responsável pela Guerra dos Cinco Reis. Cersei também se assemelha a Isabella da França, uma bela rainha medieval que conspirou com o amante para destronar e possivelmente assassinar, com um ferro quente inserido no ânus, seu marido, Eduardo II, no século XIV.
Mas a verdade é que Cersei é uma política incompetente e rude, o que não pode ser dito de Isabella. Ainda que impopular na Inglaterra, onde foi apelidada de “A Loba da França”, Isabella adquiriu alguns simpatizantes com o passar dos anos, incluindo a infatigável Alison Weir, que escreveu uma biografia dela em 2006: “Rainha Isabella: Traição, Adultério e Assassinato na Inglaterra Medieval”. Writ também escreveu romances sobre várias mulheres na era Tudor, aspirando o sucesso de Philippa Gregory, cujos romances históricos estão sempre na lista de best-sellers do New York Times.
De sua parte, Gregory já publicou vários livros que se passam durante a Guerra das Rosas. Um dos mais recentes, “A Senhora dos Rios”, possui elementos mágicos que parecem familiares aos leitores de “Game of Thrones”: No romance, a personagem Jacquetta, Duquesa de Bedford, possui habilidades psíquicas (a verdadeira duquesa foi acusada de bruxaria por seus inimigos políticos) e é iniciada nos mistérios da alquimia por seu primeiro marido. Para aqueles que preferem uma visão mais fundamentada, Gregory colaborou com dois historiadores, David Baldwin e Michael Jones, em um livro chamado: “The Women of the Cousins’ War: The Duchess, the Queen and the King’s Mother”, publicado ano passado.
Você deve notado que a maioria desses livros tem como foco as mulheres, apesar do fato de que muitas poucas delas tinham poder na Idade Média. Muita da ficção histórica popular dos dias de hoje é lida por mulheres, que se interessam especialmente pelas vidas e problemas femininos. Como os registros históricos quase não contêm informações sobre esse tópico, a ficção foi usada para encobrir a fenda.
Outro romancista histórico popular e mais masculino, Bernard Cornwell, escreveu uma série de livros, “The Grail Quest”, ambientada em um período levemente anterior ao da Guerra das Rosas. Seu herói, um arqueiro chamado Thomas de Hookton, que participou da Guerra dos Cem Anos, é um plebeu inteiramente fictício que sai em procura da relíquia. Suponho que faltem aos romances de Cornwell aristocratas maquiavélicos que organizam cenas de guerra sanguinárias e repletas de ação.
Outro grande livro sobre a história medieval é o premiado “A Distant Mirror: The Calamitous 14th Century”, de Barbara Tuchman. Esse relato da Guerra dos Cem Anos tem como foco a vida de um jovem aristocrata francês e de sua esposa inglesa, sendo mais expansivo do que qualquer outro romance e tendo em si detalhes fascinantes, tais como a moda bizarra da corte de sapatos com o bico extremamente longo, até os alvoroços brutais e legendários do mercenário britânico John Hawkwood ao redor da Itália. Se você quer saber como os camponeses viveram enquanto seus líderes entraram em conflito, as mudanças peculiares da gestão de água num castelo de pedra, a verdadeira motivação por trás das Cruzadas ou o quão covardes e cruéis os nobres e os aristocratas podem ser quando isso lhes parece conveniente, é o livro certo.