Os felicianos da França

Atualizado em 28 de maio de 2013 às 21:37

As manifestações contra o casamento gay e a adoção por casais do mesmo sexo mostram que os franceses são mais conservadores que imaginamos.

Passeata contra o casamento gay
Passeata em Paris contra o casamento gay

Pelo menos 150 mil franceses, nas contas da polícia, foram às ruas de Paris no domingo para protestar contra a aprovação da lei que permite o casamento gay e a adoção por pessoas do mesmo sexo. O que começou relativamente tranquilo terminou em pancadaria. Cerca de 200 jovens, muitos deles mascarados, atiraram garrafas e pedras nos policiais. Jornalistas foram agredidos por uma multidão liderada por um sujeito que soprava uma gaita de foles (!?). Nos Invalides, houve uma espécie de batalha campal.

Membros de um grupo de extrema-direita, “Génération Identitaire”, subiram no teto do edifício do Partido Socialista e abriram uma faixa pedido a renúncia do presidente François Hollande. Em torno de 100 baderneiros foram detidos, a maioria por posse de armas. A coisa se radicalizou a ponto da humorista Frigide Barjot, uma das principais ativistas contra a lei, ter de ficar em casa no domingo depois de ser ameaçada de morte por homofóbicos que a acusaram de ser muito moderada e “fantoche” do governo.

Um repórter do site da Vice, Thomas Bertrand, esteve nas manifestações. É como se milhares de marcos felicianos se reunissem. Crianças, velhos, casais, negros, brancos, católicos, muçulmanos – todos gritando slogans contra algo que, a rigor, não terá impacto tangível em suas vidas. Um dos maiores cartazes dizia: “Não a uma mudança na civilização”. Há alguns dias, o historiador Dominique Venner, um membro da extrema direita, com alguns prêmios literários, se matou na Notre Dame na frente de 1 500 visitantes, num ato contra “a decadência da França”. O número de casos de espancamentos de homossexuais aumentou.

Alguns dos depoimentos de populares, colhidos por Bertrand, são reveladores. É a chamada voz rouca das ruas:

“Eu estou aqui para manter os valores fundamentais da nossa nação. Desde o começo da humanidade, a vida tem sido alicerçada em homens, mulheres, pais e mães. Nós nunca vimos dois homens darem à luz uma criança. Uma criança precisa de um pai e uma mãe.” (Thibaut)

Thibaut
Thibaut

“Bem, casamento para os gays? E depois o quê? Entre irmãos e irmãs? Gatos e cachorros? Meu amigo está esperando para adotar uma criança há muitos anos, então eu acho que pessoas normais devem vir em primeiro lugar. E os filhos não podem se desenvolver de maneira saudável com pais homossexuais.” (Mireille)

Mireille
Mireille

“Legalizar o casamento gay não é uma boa ideia porque uma criança não terá uma boa educação com dois pais e duas mães. Eu acho que se o pai é mais rigoroso do que a mãe, então é bom para o filho. Quer dizer, se um menino tem duas mães rigorosas, não é bom para ele”. (Marie e Romane, 6 e 7 anos)

Marie e Romane
Marie e Romane

 

“Nós estamos falando do futuro da humanidade aqui. Pessoalmente, eu acho que legalizar o casamento gay é o primeiro passo para a adoção por parte de casais homossexuais. As crianças vão se tornar o que eles são: homossexuais. Só as mulheres podem dar à luz. É assim que a natureza funciona”. (Yoro)

Yoro
Yoro

“Eu estou aqui porque as autoridades tiraram meu filho de mim. É por isso que estou protestando. Não quero que esses gays adotem meu filho. Eu não tenho nada contra eles. Sou muito tolerante com gente desse tipo. Mas eles querem mais e mais. Nós não reclamamos quando eles se beijam e se dão as mãos nas ruas. Nós não os machucamos. Mas agora eles querem casar e destruir a religião. Nós não vamos tolerar mais. Com pais gays, a criança vai crescer e virar gay. É automático. Nós estamos rumando em direção ao fim da humanidade, com pessoas assim se tornando a regra. Cedo eles se multiplicarão e os heterossexuais serão superados. Católicos, muçulmanos, todos nós somos contra o casamento gay”. (Ahmed e Véronique).

Ahmed e Véronique
Ahmed e Véronique

 

A ministra da Justiça Christiane Taubira definiu a lei como “um ato de liberdade, igualdade e fraternidade”. A França é um país dividido: segundo o Gallup, 53% da população é contra o casamento gay. Um filme sobre lésbicas – La Vie d’Adele – pode ganhar a Palma de Ouro em Cannes, mas os franceses continuarão conservadores de coração.