Os fundamentos das boas maneiras e da polidez segundo Samuel Robert Wells. Por Camila Nogueira

Atualizado em 23 de janeiro de 2017 às 19:31
Baile na Cidade, Auguste Renoir (detalhe)
Baile na Cidade, Auguste Renoir (detalhe)

Os trechos abaixo foram retirados do livro How to Behave, de autoria do escritor norte-americano Samuel Robert Wells (1820 – 1875).

Quais os fundamentos das boas maneiras?

O respeito sincero pelos direitos alheios, tanto nos assuntos pequenos como naqueles de maior importância, a gentileza legítima, o bom gosto e o autocontrole. Tais coisas jamais sairão de moda.

No que consiste a polidez?

A polidez, diz La Bruyère, é o interesse, expresso por meio de nossas palavras e ações, de fazer com que os outros se sintam satisfeitos conosco e consigo mesmos.

Podemos nos tornar elegantes e polidos através de um longo estudo ou seria a sofisticação um instinto ou talento natural em determinadas pessoas?

Algumas pessoas possuem um “instinto cortês” tão forte que mal precisam de cultivá-lo, mas a grande maioria deve se contentar em se desenvolver através do estudo e da prática. Cabe a nós adquirir, em primeira instância, um senso de igualdade e benevolência, bons sentimentos, magnanimidade e autocontrole.

De que maneira devemos nos vestir?

O traje que melhor se ajusta e é mais confortável é também o mais gracioso e adequado. Aquilo que aparenta ser desconfortável é deselegante.

Se ajusta ao quê?

A primeira demanda da lei do ajuste é a seguinte: o seu traje deve estar de acordo com a sua pessoa. Os jovens e os velhos, nós sabemos instintivamente, não devem se vestir com as mesmas roupas. O mesmo serve para os altos e os baixos, os de pele clara e os de pele escura, os pálidos e os rosados, os sérios e os sorridentes, os introspectivos e os vivazes. Em segundo lugar, deve haver harmonia entre os seus trajes e as circunstâncias em que você vive. Os trajes de que faz uso devem estar de acordo com as suas posses, a sua casa, os seus móveis, o lugar onde reside e a parcela da sociedade à qual pertence. E, por último, a sua roupa deve se adequar ao momento, ao lugar e à ocasião em que será usada.

O senhor acredita que as nossas roupas expressam quem somos? Isto é, que os trajes dispendiosos de uma senhora da sociedade, por exemplo, servirão para comprovar o seu refinamento?

Nada é mais vulgar do que a ideia de que roupas caras são capazes de fazer de um homem um cavalheiro ou de uma mulher uma dama. Fora isso, vestir-se bem não é mais caro do que vestir-se mal.

Certo. Que mais devemos fazer para alcançar a excelência na arte da polidez e da elegância?

Cultive a linguagem e a voz. Aprenda a expressar-se com correção, suavidade e elegância. Faça tudo o que estiver ao seu alcance para atingir a perfeição nesse sentido.

É necessário que sejamos polidos o tempo inteiro?

A polidez deve ser utilizada diariamente. Se você utilizá-la apenas em ocasiões especiais, ela irá parecer artificial em você. Se você não exercitar a polidez em seu círculo familiar, é improvável que seja capaz de colocá-la em prática em qualquer outro lugar.

Qual a importância do autocontrole?

Se você não possuir o mais perfeito autocontrole, estará passível de cometer erros graves, e as outras qualificações sociais que possuir contarão muito pouco. Você não deve apenas ter consciência de quem é, do que é, de onde está e do que deve fazer, mas deve controlar inteiramente todas as suas palavras e ações. Sempre que nos sentimos alegres, excitados ou intimidados em demasia, estamos passíveis de perder o nosso autocontrole.

E quanto aos relacionamentos? 

A base da verdadeira polidez e do divertimento social consiste na mútua tolerância.

Para que sejamos considerados educados, devemos ocultar cuidadosamente as nossas opiniões?

Em parte; todas as pessoas têm direito a cultivar suas próprias opiniões, e a expressá-las nas ocasiões adequadas.

O que fazer quando encontramos na rua alguém com quem brigamos? 

Se encontrar em público alguém com quem se desentendeu, é melhor, de modo geral, se inclinar com frieza e cerimônia do que fingir que não o viu.

É possível recusar um convite sem ser rude ou ofensivo?

Você pode, de modo geral, recusar convites para festas sem ser indelicado, caso considere que a ocasião em questão não lhe será interessante. Mas, ao receber um convite, é preciso que o aceite ou o recuse incondicionalmente, pois os seus anfitriões desejarão saber qual o número de pessoas que devem esperar a fim de poderem fazer as preparações de acordo com esse número.

Como lidar com vendedores?

Madame Celnart ofereceu excelentes conselhos às damas no que diz respeito às compras. Quando uma vendedora tratá-la de forma cortês e paciente, manifeste igual gentileza. É desejável que a delicadeza seja sempre, ou quase sempre, recíproca. Se a polidez oficiosa dos vendedores não exigir igual amabilidade, reclama no mínimo um tratamento civil. Se o artigo que deseja não lhe for exibido imediatamente, e se você precisar examinar um número maior deles, diga à vendedora que lamenta o trabalho que lhe está causando. Se, depois de tudo isso, não lhe agradar, desculpe-se ovamente antes de ir embora. Madame Celnart afirma que, se o preço lhe parecer demasiadamente alto e a loja não tiver preços fixos, é possível pedir um desconto em termos concisos e civis. No caso de o proprietário se recusar a diminuir o valor do artigo, não entre em uma competição, mas parta depois de dizer educadamente que pensa que pode obter a mesma coisa por um preço mais baixo em algum outro lugar, mas que, se não conseguir, dará preferência a ele.

Como devemos nos comportar no teatro, na ópera e na galeria de arte?

Conversar durante uma performance é um ato de extrema indelicadeza e injustiça. Você, ao fazê-lo, estará expressando sua própria má educação e desrespeitando os direitos dos outros, que pagaram pelo privilégio de ouvir os artistas, e não você. Uma galeria de arte, por sua vez, é como um templo, sendo extremamente desagradável falar em voz alta, rir, mover-se ruidosamente ou empurrar qualquer pessoa.

E quanto ao amor?

O amor é um assunto do coração, mas a cabeça deve ser o seu principal conselheiro.

Hmmm…

É necessário, em primeiro lugar, que haja uma distinção claramente perceptível, se não facilmente definida, entre todas as atenções da cortesia comum, as da pura amizade e as do amor. Todos os mal entendidos nesse sentido podem e devem ser evitados.

Como rejeitar uma proposta e como lidar com essa rejeição?

Se uma mulher desejar recusar uma proposta, é recomendável que o faça com cortesia e delicadeza; mas a resposta deve ser conclusiva, e é importante que o homem não insista.

Algo a acrescentar, Mr. Wells?

Não espere que o respeitem por seu nascimento, por sua riqueza, por sua ocupação ou por qualquer outra circunstância acidental – apenas pela nobreza de caráter que demonstrar.