A luta antirracista precisou da voz e de um tapa de uma mulher branca, celebridade e mãe de dois filhos negros, para transformar a boa fúria no mais estrondoso gesto recente contra os supremacistas.
A luta contra o golpe precisou do manifesto de banqueiros e liberais de todas as áreas para virar o mais potente desagravo público em defesa da democracia brasileira em tempos bolsonarianos.
Giovanna Ewbank e Roberto Setubal fizeram pelo combate ao supremacismo e ao fascismo o que mães negras e forças populares tentam e nem sempre conseguem.
Giovanna com o gesto solitário de enfrentamento da racista portuguesa. Setubal como parte do ato coletivo pela preservação do sistema eleitoral, que se alastrou pelo país.
É compreensível que se pergunte: e se uma negra, e não uma branca, tivesse dado o tapa na cara da racista em Portugal?
E se fossem apenas os militantes de esquerda de sempre que tivessem assinado o manifesto pela democracia?
São falsos paradoxos. São apenas situações do nosso tempo. O impacto da reação de Giovanna foi maior do que seria, mesmo em Portugal, se a mãe das crianças fosse uma das angolanas que também tiveram os filhos agredidos na praia pela mesma mulher.
E o manifesto teria o mesmo impacto previsível de uma nota dos Juristas pela Democracia, se não tivesse grandes empresários como signatários.
As manchetes sobre o caso de racismo destacavam o nome de Giovanna. A mãe das crianças atacadas tinha um nome a ser destacado.
As manchetes sobre o manifesto pela democracia citavam Roberto Setubal e outras figuras da elite econômica brasileira. A reação ao golpismo vinha com identidades de peso.
Mas, sem desmerecer Giovanna e Setubal, foram e são geralmente brasileiros sem nome na imprensa os que agiram com destemor antes dela e dele.
A grandeza dos gestos da atriz e do banqueiro deve muito aos anônimos que vêm lutando há muito tempo contra o racismo e o fascismo.
São as mães negras que enfrentam cotidianamente os ataques das hienas contra seus filhos, desde muito antes do bolsonarismo.
São militantes da democracia que saem às ruas desde o golpe de 2016. Giovanna Ewbank e Roberto Setubal fortalecem e alargam o alcance dessas lutas.
Os gestos dos dois torna menos invisíveis as mães negras que têm filhos agredidos e assassinados (principalmente pelas polícias) e os militantes pela democracia ameaçados pelo fascismo.
Que outras mães brancas gritem junto com Giovanna e as mães pretas e que mais banqueiros, fazendeiros e empresários assinem o manifesto ao lado de Setubal. Mas não só porque os seus bens e as suas famílias foram ameaçadas.
Que façam uma boa gritaria ao lado de todos os que já gritam há muito tempo sem manchetes nos jornais e sem suporte do sistema de Justiça e das instituições da República.