Mídia X Mídia

Atualizado em 2 de novembro de 2011 às 9:48
Welles ensaia numa rádio o programa em que falaria de uma guerra dos mundos

Leio na BBC um artigo de W. Joseph Campbell, um americano que tem um excelente blogue sobre a mídia.

Ele desfaz os mitos em torno da célebre peça pregada por Orson Welles sobre os americanos no rádio. Welles anunciou que Marte movera guerra contra a Terra, e o que se conta é que o pânico tomou de assalto os Estados Unidos, com multidões saindo às ruas desesperadas. Isso em 30 de outubro de 1938.-

Menos. Bem menos, segundo Campbell. Ele afirma que o episódio passou para a história com cores bem mais dramáticas do que a mera realidade. A maior parte dos ouvintes sabia, segundo Campbell, que era trote.

De onde veio o exagero?

Em grande parte dos jornais. O motivo: era uma guerra de mídia. O rádio surgia como uma concorrência forte para a imprensa diária, e os jornais trataram de tentar desqualificá-lo. O New York Times, num editorial, disse que o rádio mostrara ser potencialmente “irresponsável”.

Quando li o texto de Campbell, me ocorreu a cena brasileira. Nunca entendi bem por que a mídia impressa dá tanto espaço para a Globo. Longe de tratar a Globo como uma adversária poderosa na guerra pela atenção dos consumidores de mídia e dos anunciantes, os jornais parecem fazer força para torná-la ainda maior. Dão um espaço insano a novelas, por exemplo. Isso não apenas favorece a Globo como prejudica o brasileiro, dado o poder deletério das novelas sobre as pessoas. Você diminui vendo novela, em vez de engrandecer.

Numa passagem pelo Brasil, li uma carta de um leitor da Folha que se dera ao trabalho de contar os textos dedicados às novelas de uma edição do jornal, Escrevi sobre isso. O leitor estava lendo o jornal com mais acuidade do que os editores.

Uma vez, quando eu trabalhava na Globo como editor das suas revistas, participei de uma reunião em que o presidente da empresa, Roberto Irineu Marinho, se queixou de um texto da Folha. Irritado, RIM chamou os acionistas da Folha de “anões”, e perguntou às pessoas por que o jornal publicara aquele texto. “Talvez porque a Folha tenha entendido que existe uma guerra na mídia”, eu disse.

Engano meu. Para cada crítica que a Folha dava, várias matérias tratando das novelas da Globo eram publicadas por ela mesma.

Uma das razões da fatia assombrosa do bolo publicitário que vai para a Globo é que, ultracompetitiva, a empresa sabe que está numa guerra. O dinheiro que não vai para ela acaba na concorrência. Enquanto isso, a concorrência, mesmo levando tiros, age como se imperasse uma paz franciscana no mercado.

O New York Times guerreava, como mostra Campbell. Por isso é um sobrevivente.