Os memes de Lula e o gozo com a condenação alheia. Por Fernanda Mambrini Rudolfo

Atualizado em 19 de julho de 2017 às 18:08

 

Publicado no Empório do Direito

Por Fernanda Mambrini Rudolfo, Defensora Pública do Estado de Santa Catarina e Diretora-Presidente da Escola Superior da Defensoria Pública de Santa Catarina.

A semana que passou foi marcada não só pela sentença condenatória do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas também pelas inúmeras manifestações de regozijo com tal decisão. Os memes se multiplicaram e espalharam de forma tão rápida que pareciam Gremlins em contato com a água (momento entregando a idade…). Até mesmo comparações entre os anos de condenação e a quantidade de dedos do ex-Presidente foram feitas, em demonstração de total ausência de alteridade, de humanidade.

Que tipo de pessoa pode saborear a condenação de outrem, comemorar, soltar fogos de artifício, fazer textão no facebook? Eu sou de esquerda e nunca o neguei, mas jamais festejarei a condenação de quem quer que seja, porque não sou punitivista. Não sei qual é a emoção que se sente ao saber que outra pessoa está sofrendo e que lhe será impingida uma pena pelo Estado, mormente quando se sabe das condições do sistema prisional brasileiro.

A sanha revanchista do nosso povo, justificada em parte por uma mídia parcial e sensacionalista, chegou ao ponto de gozar com a desgraça alheia – bastante perceptível quando da morte de Marisa Letícia. Uma condenação criminal talvez propicie o ápice desse sentimento e, concomitantemente, uma desumanização, nesta que Bauman chamava modernidade líquida.

Algumas pessoas argumentaram comigo que se trataria de uma condenação “boa”, pois mostraria que não é só pobre que é condenado/preso. No entanto, essa é mais uma falácia. Em primeiro lugar, porque um ou outro caso de pessoa financeiramente favorecida condenada não desconstitui o fato de ser a pobreza a clientela do direito penal. Ainda é a imensa e absurda maioria. Em segundo lugar, porque Lula é o “pobre” dentre os políticos. É aquele que veio de família humilde, que perdeu o dedo (aquele mesmo dedo, que é objeto de deboche) trabalhando, que não teve estudo nem foi apadrinhado pelos amigos da família.

A condenação de Lula, enquanto helicópteros e aviões com cocaína passam batido, continua sendo a condenação da pobreza. Em terceiro lugar, porque, depois de tantos resultados negativos, não é possível que ainda se acredite no Direito Penal para se falar em qualquer condenação “boa”. Posso continuar enumerando, mas acho que são suficientes estas afirmações para refutar qualquer defesa da condenação de Lula.

O juiz Sérgio Moro encerrou a sentença com um ditado: “não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você”. É ao menos curioso que essa colocação tenha partido de quem vazou propositalmente conversas gravadas em interceptações telefônicas (o que, por lei, é considerado crime – a lei está acima de quem mesmo? ou quem está acima da lei?) e, o que é ainda mais grave, envolvendo a então Presidenta da República. É… Não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você, a não ser que você seja amigo das pessoas certas.