Logo depois da classificação da Argentina para as semifinais da Copa do Mundo, em um épico contra a Holanda, escrevi um tuite na minha conta pessoal que falava que haviam juntado um punhado de psicopatas rodeando um gênio. E que a fórmula era muito parecida com 1986, quando Diego Maradona fez chover na segunda conquista dos nossos vizinhos, no México.
O elenco de malucos da Argentina deste ano, formado por gente como o goleiro fanfarrão e pegador de pênaltis Emiliano Martínez, o zagueiro pouco afeito a gentilezas Nicolás Otamendi e o meia tão bom quanto desbocado Rodrigo De Paul, ajudou Lionel Messi na conquista do tricampeonato albiceleste. Mas o que o elenco, acima de tudo, tinha era uma alma que os argentinos apreciam muito. Da tendência ao drama, até a famosa catimba e provocação aos adversários.
Essa característica foi falada por Cesar Luís Menotti, técnico do primeiro título argentino, na controversa Copa de 1978, e atual diretor de seleções da Associação de Futebol da Argentina (AFA), quando confirmou o então interino Lionel Scaloni como técnico principal da seleção, em janeiro de 2019.
Menotti, aliás, é um personagem riquíssimo. Antes peronista, se filiou ao Partido Comunista da Argentina pouco antes do golpe militar que atingiu o país em 1976. Como técnico da albiceleste, buscou afastar seus jogadores do uso político do Mundial que o país sediaria dois anos depois.
Sem vencer a Copa do Mundo desde 2002, a Seleção Brasileira passa por uma crise de identidade talvez sem precedentes e os motivos são vários. São políticos, com o claro sequestro da camisa amarela, antes sinônimo de brasilidade mundo afora, pela extrema-direita que destruiu o País na última década. E também por um claro afastamento dos atletas que envergaram essa camisa nos últimos anos dos anseios e das características do país: a alegria, a humildade e a simplicidade para tratar a vida e o jogo.
Mas querem uma boa notícia? Essa Copa do Mundo, em que o Brasil caiu nas quartas de final, nos apresentou gente com essa capacidade de cativar e trazer novamente o amor do povão pela Canarinho.
Aprendemos a gostar mais de figuras como Richarlison, tão preocupado com questões sensíveis para nosso povo e um ótimo atacante. Vinícius Jr., menino de sorriso cativante e muito futebol, nos encantou nas últimas duas temporadas no futebol europeu e merece mais chances, assim como seu companheiro de Real Madrid, Rodrygo, que infelizmente perdeu o primeiro pênalti que Neymar não quis bater contra a Croácia.
Aqui no Brasil, nós vemos surgir alguém muito especial. Com apenas 16 anos, o palmeirense Endrick cativa do mais fanático alviverde até eu, corinthiano dos mais fiéis. Sua história de vida e sua cabeça boa impressionam tanto quanto a bola que joga. Quando completar 18 anos, em 2024, ele fará companhia para Vinícius e Rodrygo na Espanha.
Todos esses meninos terão três anos e meio para nos cativar ainda mais. E eles têm essa capacidade. Lideranças desgastadas e pouco simpáticas, como Daniel Alves e Thiago Silva, disputaram seus últimos mundiais. Está na hora de uma molecada alegre, feliz e com brasilidade tomar naturalmente essa liderança. O que resta é saber se Neymar, que não é mais menino há muito tempo, nunca passou um indício de identificação com seu povo e que terá 34 anos em 2026, estará nessa engrenagem e, se estiver, será uma liderança positiva. Sinceramente, eu duvido que consiga.
Aqui, a nossa missão (e essa começa em janeiro de 2023) é recuperar a camisa tomada pelo grupo político que nos atormentou por quase uma década. A batalha será árdua, mas é possível vencer.
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